RACISMO EM LA LIGA

O dia que a torcida do Valência abriu uma bandeira nazista e foi esculachada por treinador antifascista

O técnico Guus Hiddink, que treinava o clube valenciano e cuja família resistiu ao Holocausto, determinou: “Ou tiram essa porcaria ou não jogamos”

Guus Hiddink em 1988.Créditos: Rob Croes / Anefo via Wikimedia Commons
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O Valência ganhou projeção na mídia internacional neste segunda-feira (22), não pela vitória contra o poderoso Real Madrid por 1 a 0, em jogo disputado no Mestalla, sua casa, pela 35ª rodada de La Liga. Pelo contrário, o placar do jogo acabou ficando em segundo plano por conta do inaceitável episódio de racismo do qual o atleta brasileiro Vini Jr. foi vítima. Chamado de ‘macaco’ por amplo setor da torcida valenciana presente ao estádio, o brasileiro se revoltou, pediu providências para o árbitro contra os torcedores, mas acabou expulso.

O caso foi amplamente divulgado, mas não foi o primeiro envolvendo Vini Jr., e nem sequer o primeiro envolvendo a torcida do Valência. Em 9 de fevereiro de 1992, jogadores de Valência e Albacete se aqueciam no gramado do Mestalla para partida do campeonato espanhol quando a torcida local estendeu nas arquibancadas uma bandeira nazista.

E não era qualquer bandeira. Era aquela famosa bandeira vermelha, com um círculo central branco onde se desenha uma cruz suástica em preto. A mesma utilizada oficialmente pelo regime de Adolf Hitler na Alemanha.

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O técnico holandês Guus Hiddink, que comandava o próprio Valência, se revoltou e determinou à arbitragem e representantes da federação: “Ou tiram essa porcaria ou não jogamos”.

A atitude foi considerada corajosa em uma época que a Espanha, recém saída em 1975 da ditadura fascista do general Francisco Franco, convivia diariamente com episódios de neonazismo em suas ruas e estádios de futebol O próprio Real Madrid, hoje defendido por Vini Jr., tem uma tradicional torcida organizada, os Ultrasur – hoje banidos dos estádios – que costumava carregar diversos materiais com símbolos e propaganda neonazista.

O treinador conseguiu fazer com a bandeira desaparecesse e o jogo pudesse ser iniciado. Para o jornal El País, um dos principais da Espanha, Hiddink teria conseguido coibir os nazistas, algo que nem a polícia e nem o mundo do futebol havia conseguido. No entanto, dentro do Valência, alguns diretores não gostaram. No mesmo jornal, constam declarações como “não tinha que se meter nesses assuntos” e “ele está querendo aparecer”. Hiddink respondeu que não pode se calar ou permanecer passivo diante de um absurdo desses.

Bandeiras e outros materiais com simbologia nazista só foram banidos dos estádios da Espanha em 2007.

Passado antifascista

Ele nasceu em 1946 em uma devastada cidade de Varsseveld, na fronteira da Holanda com a Alemanha, completamente destruída pelos nazistas em 1944. Seu pai, Gert Hiddink, além de professor e jogador de futebol amador, também participou da resistência antinazista na região. Ele não era judeu, mas ajudou muitos deles.

Em casa, a família Hiddink dava abrigo não apenas a judeus jurados de morte pelos invasores nazistas, mas também a paraquedistas britânicos e dos EUA. Gert chegou a receber uma medalha do general norte-americano (e futuro presidente dos EUA) Dwight Eisenhower pela coragem.