ESCÂNDALO DAS APOSTAS

Futebol brasileiro está no radar das máfias de apostas desde 2006, diz jornalista

Lúcio de Castro, da Agência Sportlight, revelou conteúdo de antiga entrevista com Michael Franzese, chefe da Cosanostra que comandou nos EUA um esquema semelhante ao registrado nas últimas semanas no Brasil

Michael Franzese de frente e de perfil.Futebol brasileiro está no radar das máfias de apostas desde 2006, diz jornalistaCréditos: Jens Astrup/Play the Game via Wikimedia Commons
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O futebol brasileiro está no radar das máfias internacionais de apostas esportivas desde 2006, revelou nesta quinta-feira (11), o jornalista Lúcio de Castro, da Agência Sportlight, em sua conta no Twitter. A informação foi resgatada de uma entrevista feita pelo próprio profissional com Michael Franzese, chefe da Cosanostra que comandou nos EUA um esquema semelhante ao registrado nas últimas semanas no Brasil.

“‘O Brasil está no radar, a Libertadores também’. O autor da frase? Michael Franzese. Quem é? O chefão da Cosanostra nos EUA, abaixo apenas de Joe Colombo. Simplesmente o homem que comandou a máfia das apostas no esporte americano durante décadas”, escreveu Lúcio de Castro.

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Na publicação, ele conta como obteve a declaração. Em 2006 começava o projeto do Sportv Repórter ao lado dos colegas Guilherme Roseguini, Felipe Awi e Rodrigo Araújo. “Um dos projetos mais legais que participei. Como meta, estabelecemos que o primeiro programa tinha que ser de arrepiar, dar com o pé na porta”, afirmou.

Foi com esse espírito que viajou para os Estados Unidos em busca de informações inéditas sobre a máfia de apostas e suborno de atletas operada na Terra do Tio Sam.

“O ex-todo poderoso da Cosanostra se dispôs a me receber, mas fez mistério, pela segurança dele. Dias antes, me avisou para estar em um sábado em hotel na cidade de Waco, no Texas, e o resto era com ele”, contou.

Segundo o relato de Franzese, que abandonou o crime em 1994, o esquema era muito parecido com o registrado nas últimas semanas no Brasil, com a diferença de que o mundo era bem menos digital. Ou seja, ao invés do WhatsApp, que ainda nem existia, os mafiosos procuravam os atletas em bares, restaures, boates e outros espaços que poderiam frequentar. Castro ainda explica que aliciar um atleta para este crime em específico não é algo que os mafiosos faziam inicialmente por meio de ameaças, mas de conversas, sorrisos e convencimento de que a ação ilícita não seria ‘nada demais’.

“Sutilmente, se conversa, ri, entra na intimidade e se mostra que não há mal algum. Apenas botar uma bola para escanteio e pronto. Não vou entrar no aspecto moral, é evidente que há um desvio, mas a questão é entender como se chegou a ele. Tudo o que ele me contou ali parece explodir hoje e fazer enorme sentido. E lembrando de tudo, vejo como nos preparamos mal para esse momento. Mais do que isso, como estamos abordando mal o tema na imprensa”, explica o jornalista que ainda aponta: “se funcionava lá, com atletas em melhores condições na base, imagine aqui”.

A tarefa aparentemente inocente de levar um cartão amarelo ou jogar uma bola para escanteio, podendo valer de R$ 50 mil a R$ 100 mil, atrai os atletas que, em geral, não receberam qualquer orientação ética sobre o assunto. O problema ficar maior após a entrada no esquema, quando o aliciado é literalmente dominado pelas máfias.

“Deixa eu te contar o que vem depois: chantagem, ameaça, extorsão, agressão. Com você e a sua família. Essa pessoa que te botou nisso passa a ser seu dono. Sua não vale mais nada depois”, explicou o próprio Franzese.

Para Lúcio de Castro, é exatamente o que está acontecendo por aqui, haja vista os diálogos do zagueiro Eduardo Bauermann - afastado pelo Santos - com seu aliciador após o insucesso em entregar a aposta combinada. O jornalista critica inclusive a cobertura da imprensa, que não resgatou tal entrevista e sem estudar a situação, já pede a cabeça dos jogadores envolvidos e seu banimento do futebol.

O profissional ainda aponta, baseado na experiência dos EUA, que o Brasil deveria ter feito um trabalho preventivo em relação à pratica criminosa ainda em 2006, quando o primeiro Sportv Repórter foi ao ar com o alerta. “Foi com educação massiva no esporte universitário, nas divisões de acesso das ligas etc., que se conseguiu diminuir um pouco os níveis assustadores que marcaram o esporte americano no período em que reinava o capo da Cosanostra”, concluiu.

De chefe da máfia a coach: Quem é Michael Franzese

Nascido em 27 de maio de 1952, Franzese é um ex-mafioso americano e caporegime, ou seja, um membro da alta hierarquia, da família mafiosa Colombo, em Nova Iorque. Michael estudou medicina na Universidade Hofstra mas largou o curso após seu pai, o subchefe Sonny Franzese, ser condenado a 50 anos de prisão. Ele então se juntou à máfia para buscar ajuda ao pai e ao longo de sua trajetória desenvolveu uma série de esquemas milionários que abasteceram as finanças do grupo.

Além das apostas esportivas, também foi um dos autores de um esquema para fraudar impostos federais sobre o consumo de gasolina durante os anos 80.

Em 1986 foi listado pela Revista Fortune como o décimo oitavo mafioso mais rico e poderoso dos EUA. No auge da sua carreira criminosa, chegou a faturar 8 milhões de dólares por semana, em lucros. Em março do mesmo ano foi preso e condenado a 10 anos de cárcere pelas atividades criminosas. Chegou a ser solto em 1989, mas após violar sua condicional, voltou para a cadeia em 1991.

3 anos depois, quando foi solto em definitivo, se mudou para a Califórnia onde anunciou o abandono do crime e passou a viver como escritor e palestrante motivacional.