Em 9 de janeiro de 1822 o Brasil vivia em pleno processo de independência em relação a Portugal. Mas diferente dos vizinhos sul-americanos, nosso país saiu da situação colonial para se autodeclarar um império, ao invés de uma república. Naquela data, D. Pedro I, o regente do Brasil, contrariou as exigência da Corte Portuguesa e permaneceu por aqui – abrindo caminho para que meses depois ele próprio se tornasse o Imperador.
“Se é para o bem de todos e felicidade geral da nação, estou pronto”, disse o regente, naquele que ficou conhecido como “Dia do Fico”.
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201 anos, 10 meses e 29 dias depois, um outro português deixava milhões de brasileiros apreensivos com o seu próprio e virtual “Dia do Fico”, ou “Dia do Não Fico”. Trata-se do técnico Abel Ferreira, do Palmeiras.
Digo milhões de brasileiros por uma razão óbvia: os torcedores palmeirenses torceram, como nunca, para que o português rejeitasse suposta proposta milionária do Catar e permanecer no clube. Paralelamente, os torcedores de todos os outros clubes faziam simpatias para que o português cedesse à força da grana árabe e petroleira.
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Não é para menos. Abel Ferreira tem os melhores números de um treinador na história do futebol brasileiro. Se é o melhor, a questão é de estilo. Mas que ele é o mais eficaz, isso sem dúvidas. São 9 títulos importantes em apenas 3 anos de trabalho.
Trajetória no Palmeiras
O desconhecido Abel, que havia treinado apenas o Braga (Portugal) e o Paok (Grécia), sem nunca ter conquistado um troféu, chegou ao Alviverde como a quinta opção da diretoria para substituir Luxemburgo em outubro de 2020. O Palmeiras tinha vencido o Paulistão daquele ano, é verdade, mas estava longe de ser o principal clube do país. A temporada de 2019 tinha sido frustrante com a derrocada de Luiz Felipe Scolari e a rápida e apagada passagem de Mano Menezes no comando da equipe. Em 2020, Luxemburgo não deu jeito. Venceu um estadual graças ao talento de atletas da base do clube como Gabriel Menino e Patrick de Paula, mas acabou demitido após uma caótica campanha no Brasileirão.
Em dois meses o então desconhecido português já reorganizara o time e faturava uma Copa Libertadores e uma Copa do Brasil. No ano seguinte balançou. Quase foi demitido após perder a Supercopa para o Flamengo, a Recopa para o Defensa y Justicia (Arg), o Paulistão para o São Paulo, a Copa do Brasil para o CRB e ver o Atlético-MG, grande bicho papão, disparar no Brasileirão. Mas ainda havia uma Copa Libertadores, e ela foi vencida com requintes de crueldade sobre o Flamengo. Sinal verde para a eternidade de Abel Ferreira no Palmeiras.
Veio 2022 e uma temporada com apenas 7 derrotas. Uma delas para o Chelsea [nada menos que o campeão da Champions League], na prorrogação da final do Mundial de Clubes, graças a um pênalti marcado por puro azar do zagueiro Luan que tentou rebater uma tentativa de finalização e teve a infelicidade de ver a bola caprichosamente bater no seu cotovelo. Outras derrotas tiraram o clube das copas do Brasil e Libertadores. Mas o Paulista, o Brasileirão e a Recopa foram conquistados de forma avassaladora.
Chegou 2023 e o treinador continuou ganhando. Logo no início do ano levou a Supercopa do Brasil em cima do Flamengo e não teve dificuldades para vencer o estadual sobre o modesto Água Santa de Diadema.
O clube tinha a ilusão de ir até o final em todas as competições, mas uma eliminação tratada como precoce na Copa do Brasil, nas quartas para o São Paulo, jogou um balde de água fria nas pretensões alviverdes. Paralelamente a isso, o Palmeiras de Abel Ferreira via o Botafogo assumir a liderança isoladíssima do Brasileirão. 14 pontos para ser mais exato.
Mais tarde, com a lesão de Dudu (que em 2024 completa uma década de Palmeiras) e as dificuldades para reencaixar o time, o treinador foi muito criticado por não levar a joia Endrick a campo na semifinal da Copa Libertadores perdida para o desinteressante Boca Juniors.
Depois da eliminação era terra arrasada. A presidente Leila Pereira dava declarações polêmicas, irritando os torcedores que, por suas vezes, a criticavam por uma eventual falta de planejamento.
Tudo parecia se encaminhar para um “feliz 2024” quando o Palmeiras emplaca uma série de vitórias, entre elas um sonoro 5 a 0 contra o São Paulo e uma histórica virada contra o Botafogo que aproximaram o Alviverde, a equipe mais regular do país, ao topo. Depois disso, era questão de tempo para Abel e seus jogadores ganharem mais um campeonato.
O Dia do Fico de Abel
Nessa reta final de Brasileirão muito foi especulado sobre a saída do treinador. Uma proposta do Al-Sadd, do Catar, que o tornaria no treinador mais bem pago do mundo, assombrava palmeirenses e dava esperanças aos rivais. Nas coletivas, Abel não dizia nem que sim, nem que não.
“Eu tenho contrato, mas estou cansado. São muitos jogos, o futebol brasileiro é coisa de maluco”, disse o treinador em coletiva após a penúltima rodada. “Não sou ingrato”, finalizou a coletiva na ocasião.
Por um lado o treinador gosta de trabalhar no clube e tem uma paixão declarada pelos seus jogadores. Além disso, sua família parece muito bem adaptada ao Brasil, ao menos de acordo com as páginas da imprensa esportiva. Por outro lado, a proposta do Catar seria realmente tentadora e o treinador estaria irritado com a condução do futebol brasileiro e com ataques que diz sofrer por parte da imprensa. Tudo nebuloso.
A definição sairia, como era de esperar, nos dias subsequentes ao final do campeonato. E, nesse sentido, uma reunião entre o treinador e a diretoria foi marcada para esta sexta-feira (8). Nela, Abel conversou com Leila Pereira e decidiu que fica.
“Em reunião com a presidente Leila Pereira, nesta sexta-feira (08), na Academia de Futebol, o técnico Abel Ferreira reforçou ter contrato vigente com o Palmeiras até dezembro de 2024. Leila e Abel avaliaram os objetivos alcançados pelo clube em 2023, com a conquista de três títulos em cinco competições disputadas, e deram continuidade ao planejamento para a próxima temporada, que tem sido desenvolvido há meses pela comissão técnica em conjunto com o Departamento de Futebol”, diz a publicação oficial do Palmeiras nas redes sociais a respeito da reunião.
Como muitos já esperavam, o técnico decidiu cumprir seu contrato, que termina no final de 2024. Há, no Palmeiras, a esperança de um acordo para sua permanência até o Mundial de 2025, mas o treinador não quer nem pensar em estender o contrato até 2027. Ao menos não agora.
O “bem” pode não ser para todos e a felicidade geral não será de toda a nação. Mas dentro do Palmeiras é essa a sensação em relação à permanência de Abel. Se manter a média e vencer mais títulos em 2024, o português que já levantou 9 canecos pelo Verdão pode ultrapassar o histórico técnico Osvaldo Brandão que, com 10 taças em cerca de 10 anos no clube é, ainda, o treinador mais vencedor da sua história. A superação desse recorde é tudo o que querem os palmeirenses para o próximo ano.