Em março de 2015, este jornalista esteve em Montevidéu, no Uruguai, junto com o glorioso Autônomos Futebol Clube (São Paulo), para disputar um torneio de futebol amador. Calhou que naquela mesma semana um outro jogo importantíssimo aconteceria na capital uruguaia: o Deportivo Palestino, clube da comunidade palestina no Chile - a maior fora da Palestina -, encararia o Montevidéu Wanderers pela fase de grupos da Copa Libertadores. Com um agravante: era a primeira participação do clube na competição mais importante do continente em 36 anos.
LEIA TAMBEM: Club Deportivo Palestino: Mais do que um time, uma família palestina
Te podría interesar
O clube local, que veste as cores preta e branca e leva o apelido de "Los Boémios", era muito mais convidativo para uma visita - a torcida realmente era animada apesar de pequena. Mas nosso lateral-esquerdo, que também é professor de boxe e muito próximo do professor Reginaldo Nasser, convenceu o elenco a ir na torcida visitante, mesmo com os ingressos muito mais altos que dos locais, como uma forma simbólica de apoiar a Causa Palestina. Fomos.
Como o Estádio Parque Alfredo Victor Viera, dos 'Boémios', só comporta 7 mil espectadores, a partida teve de ser jogada em uma "cancha más grande" por determinação da Conmebol. Assim, rumamos para o Gran Parque Central, do gigante Club Nacional de Futbol, com capacidade - há controvérsias - para 30 mil pessoas.
Te podría interesar
Diferentemente de um jogo grande de Libertadores - um Palmeiras x Boca Juniors, um Flamengo x River Plate, entre outros - o clima entre as torcidas de Wanderers e Palestino era muito tranquilo. Os chileno-palestinos se concentraram na entrada de visitante, tomando suas "birras" e comendo seus "chivitos" sem se preocupar com os locais que passavam livremente por ali. Alguns "hinchas" do Boémio, inclusive, pararam para interagir com os adversários.
Dentro do estádio, a torcida do Palestino, que estava em no máximo umas 200 pessoas, contando conosco, começou bastante animada. As músicas misturavam o ritmo da murga, tradicional nas arquibancadas da América do Sul, com um batuque tipicamente palestino, feito a partir de um instrumento de batucada importado diretamente do oriente médio. "Yallah, yallah", dizia a torcida em cânticos que se misturavam com o "chilensis", a característica e incompreensão variação chilena do idioma espanhol.
Os visitantes começaram melhor. Tentaram algumas finalizações, sobretudo em jogadas aéreas, mas sem sucesso. Aos poucos os donos da casa iam se encontrando na partida e invertendo a situação.
Aos 23 minutos do primeiro saiu o gol do Montevideo Wanderers. Após jogada afastada da área palestina, Reymundez pega a sobra e faz uma assistência para o volante Matías Santos que bate de esquerda da entrada da área, cruzado, para abrir o placar.
A partir desse ponto, a falta de qualidade das equipes fez o jogo ficar sonolento. Os torcedores locais, com seus instrumentos de sopro e a bateria completa, fizeram a festa pelo resultado sem se importar com a quantidade inumerável de jogadas mal feitas ao longo do certame.
Do lado chileno-palestino a cantoria também não parou. Mas dividiu espaço com a apreensão dos torcedores que se desesperavam a cada dividida perdida e jogada de ataque desperdiçada. Com o apito final, a derrota não abalou a torcida, apesar da frustração. Na saída, mais confraternização pacífica entre adversários. Nunca fui num jogo tão tranquilo.
Assista aos 'melhores' momentos da partida
Naquele ano o Palestino ficou na terceira colocação do Grupo 5 com 7 pontos e não conseguiu se classificar para as oitavas de final. Venceu duas vezes o Zamora, da Venezuela, por 4 a 0 em casa e 1 a 0 fora, somando 6 pontos. No entanto, não pôde vencer o Montevideo Wanderers e nem o Boca Juniors.
Contra os argentinos, sofreu uma goleada (5 a 1) na mítica La Bombonera e perdeu por 2 a 0 no Chile. Já contra os uruguaios, além do jogo que falamos por aqui, conseguiu um empate em 1 a 1 no seu estádio. O campeão da edição foi o River Plate, da Argentina.
O Deportivo Palestino, por sua vez, é bicampeão chileno (1955 e 1978) e tricampeão da Copa do Chile (1975, 1977 e 2018).
Participações na Copa Libertadores da América
Na sua primeira participação em Copas Libertadores, em 1979, o Palestino tinha sido campeão chileno vez no ano anterior. Foi a sua melhor participação na história.
O formato do campeonato era diferente do atual. Só classificavam dois clubes por país. Os representantes brasileiros foram o Palmeiras e o Guarani, vice-campeão e campeão do Brasileirão de 78, respectivamente.
O torneio era organizado em cinco grupos com quatro clubes e em cada grupo havia clubes apenas de dois países. Só um classificava. O Palestino caiu no Grupo 4, junto com o O’Higgins (Chile) e dois clubes venezuelanos: Portuguesa e Deportivo Galícia.
Com quatro vitórias e dois empates – destaques para as goleadas por 5 a 0 contra o Deportivo Galícia e 6 a 0 contra o a Portuguesa em casa – o Palestino fez 10 pontos e passou de fase (naquela época cada vitória valia 2 pontos).
A segunda fase, por sua vez, separava em dois grupos os 5 cinco classificados com o campeão do ano anterior. O vencedor de cada grupo então faria a final.
O clube chileno-palestino perdeu os dois jogos que fez contra o Olímpia, do Paraguai, que venceria o Boca Juniors por 2 a 0 na final. No entanto, um dado curioso, também encarou o Guarani de Campinas. Empatou sem gols no Chile e em 2 a 2 no Brinco de Ouro da Princesa.
O Palestino só voltaria a disputar a Copa Libertadores em 2015, quando figurou entre os melhores clubes do Campeonato Chileno. Depois disso, participou em mais duas oportunidades: 2019 e 2020.
Em 2019, passou pelo Independiente de Medellin, da Colômbia, em um primeiro duelo de mata mata da fase preliminar. Dois empates por 1 a 1 e vitória nos pênaltis. Na fase seguinte, que daria um lugar na fase de grupo, venceu o Talleres da Argentina com um placar agregado de 4 a 3.
Caiu no Grupo A, com Internacional, River Plate (Argentina) e Alianza Lima (Peru). A equipe marcou 7 pontos, 6 deles com duas vitórias sobre o clube mais fraco do grupo: 3 a 0 em casa e 2 a 1 fora sobre os peruanos. O outro ponto somado se deveu a um empate com o Inter no Beira-Rio em 2 a 2.
Em casa contra os colorados o Palestino perdeu por 1 a 0 e, contra os argentinos, mais duas derrotas. Acabou eliminado da Libertadores – vencida pelo Flamengo de Jorge Jesus – e enviado à Copa Sul-Americana, onde foi novamente eliminado pelo Zulia, da Venezuela.
Em 2020, caiu na fase preliminar da Copa Libertadores. No primeiro duelo de mata-mata, passou com tranquilidade pelo Cerro Largo, do Uruguai, com um placar agregado de 6 a 2. No entanto, na fase seguinte acabou derrotado pelo Guaraní do Paraguai, que já havia eliminado o Corinthians na fase anterior, e ficou de fora da fase de grupos. Aquela foi a primeira Libertadores conquistada pelo Palmeiras de Abel Ferreira.