A noite da última quinta-feira (19) deveria ter sido um momento de lazer, esporte e livre expressão em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, mas a Polícia Militar da cidade aparentemente não permitiu. Durante partida válida pela segunda rodada do Campeonato Paulista, entre o Botafogo e o Palmeiras, torcedores da Resistência Caipira, um grupo antifascista do clube local, foram agredidos por PMs por levarem ao Estádio Santa Cruz uma faixa escrito ‘Sem Anistia’.
O jogo teve como ponto alto o belo gol de Raphael Veiga, ‘do meio da rua’ como diz no jargão futebolístico, que deu a vitória pelo placar mínimo ao clube da capital, além de uma performance também muito aguerrida do Botafogo, elogiada por toda a imprensa esportiva e pelo forte adversário. Nas arquibancadas, até o momento não recebemos quaisquer registros de incidentes envolvendo torcedores rivais e o que se viu foi uma bela festa em verde e branco do lado dos visitantes, e em vermelho, preto e branco do lado da equipe mandante.
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Um torcedor botafoguense e membro da Resistência Caipira, que aqui chamaremos de João para manter sua privacidade, contou à Revista Fórum sobre a entrada da faixa no estádio e as animosidades anteriores entre antifascistas da cidade e policiais militares suspeitos de envolvimento com acampamentos na própria Ribeirão Preto e em Brasília.
“Assim que chegamos ao estádio, pedimos para entrar com uma faixa grande escrito Resistência Caipira, sempre foi assim. O policial que fica de plantão sempre analisa a faixa, manda deixar no cantinho e então a gente entra. Até aí, OK, porque não somos uma torcida organizada oficial, com CNPJ, mas nunca dá problema. Até que ontem o policial olhou a faixa e falou: ‘Vocês é que são da Antifa, né? Por mim vocês não vão entrar não’”, relatou João, apontando que o clima de animosidades entre a agremiação e a corporação já se fazia presente antes mesmo da faixa ‘Sem Anistia’ ser estendida.
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O torcedor acredita a rusga venha do último 9 de janeiro. Na ocasião, e em paralelo com outros Atos de Defesa da Democracia convocados para todo o Brasil no seguinte dos ataques bolsonaristas a Brasília, a Resistência Caipira foi pivô da desmontagem do acampamento golpista localizado diante do quartel da cidade. Aos gritos de ‘Fora Daqui’, os torcedores antifascistas se somaram à população que compunha o ato e obrigaram, de forma pacífica, que os bolsonaristas abandonassem o acampamento e voltassem para casa.
“Tiramos os caras lá do quartel, né? Depois ouvi dizer que um dos policiais tinha um pai no quartel e que outros têm familiares envolvidos com a arruaça em Brasília. Mas voltando ao jogo de ontem, quando o policial disse que não ia nos deixar entrar, pedi para falar com o superior, que em seguida autorizou a nossa entrada”, contou João, reiterando o clima de animosidade entre PMs e torcedores.
Mas até aquele ponto os policiais militares ainda não tinham ciência da faixa. João nos explica como ela entrou no campo: “a bandeira escrito ‘Sem Anistia’ entrou debaixo da saia da mina, tá ligado? (SIC) Abrimos a faixa no meio do jogo, ao lado da Movimento Botafogo que é outro grupo de torcedores do nosso time”.
João finaliza seu relato, contando-nos que os policiais ficaram muito indignados com a faixa e após uma série de tentativas de localizá-la no meio da Resistência Caipira, finalmente obtiveram sucesso e detiveram o torcedor, Sérgio, que a havia guardado. Em seguida, com centenas de botafoguenses pedindo para que liberassem o detido, os PMs teriam perdido a paciência e partido para cima dos torcedores. Além da detenção de Sérgio, um outro botafoguense ficou ferido na cabeça.
Também localizamos o torcedor detido, que confirma o relato de João e nos conta em primeira pessoa como esses fatos transcorreram.
“Acabou o primeiro tempo e desci para comer uma pipoca. Eis que vi a polícia descendo [as entradas e áreas de bares e lanchonetes do Estádio Santa Cruz ficam na parte superior do estádio, construído em uma encosta; o campo fica na parte de baixo, é uma espécie de vale] rumo à Botafogo Antifascista. Como estava muito cheio o estádio, até a polícia chegar lá no meio demorou. Então o pessoal escondeu a bandeira. A polícia chegou lá, procurou, não achou nada e saiu fora. Assim que saíram fora, um torcedor jogou a faixa cinco degraus pra cima e caiu ao meu lado. Então eu sentei em cima da faixa para evitar que fosse vista e tomada pelos PMs” contou.
Depois disso, segundo o relato de Sérgio, os PMs voltaram e tentaram novamente encontrar a faixa no meio da torcida. Frustrados por não encontrarem a “criminosa” faixa, teriam puxado um torcedor pelo cangote e subido alguns degraus a fim de interroga-lo. Nesse movimento, acabaram indo para perto de Sérgio, que guardava a bandeira, e finalmente a localizaram. Houve um bate-boca entre os policiais, que queriam levar Sérgio para a delegacia por estar sentado em cima da faixa, e torcedores presentes que tentavam defende-lo.
“Cara, eu vou com vocês, não tem problema, só me digam o por quê, o que eu fiz. E começou essa discussão sobre a razão da minha detenção. Eles diziam que ‘lá fora eu ia saber’. Levaram todo mundo para a parte de cima, onde tem as lanchonetes do estádio e formou uma multidão em volta, com muita gente os questionando, e isso fez com que perdessem a paciência. Nessa hora começaram a descer a borracha em todos, abriram a cabeça de um torcedor e torceram o meu braço para me levar ao carro da polícia. Fiquei até as 2 horas da madrugada na delegacia e o único artigo que eles conseguiram me enquadrar foi de desacato policial, o que não aconteceu a nenhum momento”, contou Sérgio.
“Só queria saber por que estava sendo levado. Era por conta de uma faixa escrito ‘Sem Anistia’? É crime pedir que não haja impunidade sobre aquela arruaça que fizeram em Brasília, destruindo até mesmo obras de arte? Onde inclusive bateram em um policial e em um cavalo da polícia. Eu não estava entendendo isso da parte dos PMs. Era isso que eu questionava, mas acabei sendo fichado por desacato”, concluiu.