O Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Brasília (SEEBB) enviou nesta terça-feira (28), véspera da reunião do Conselho de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) que vai definir a nova taxa básica de juros (Selic), um ofício ao novo presidente da instituição, Gabriel Galípolo, questionando a condução da política monetária e alertando para os impactos da elevação da taxa de juros na economia brasileira. O documento, assinado pelo presidente do sindicato, Eduardo Araújo de Souza, manifesta preocupações sobre o papel do Banco Central no desenvolvimento econômico e social do país.
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"A política de juros altos, imposta pelo Banco Central para perseguir a meta de inflação, tem causado grandes entraves à economia brasileira. Primeiro, desvia recursos do setor produtivo para o setor especulativo nacional e internacional. Com isso e por consequência: impede a geração de novos e melhores empregos e provoca o endividamento das famílias, principalmente dos mais pobres, devido ao aumento cada vez maior do custo do crédito", disse o dirigente à Fórum.
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Gabriel Galípolo foi indicado para a presidência do BC em 2024 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que por inúmeras ocasiões criticou o presidente anterior da instituição, o bolsonarista Roberto Campos Neto, pela política que manteve a taxa de juros nas alturas.
No ofício, o SEEBB destaca que, embora reconheça a importância da estabilidade de preços, a autonomia da instituição não pode ser usada como justificativa para um distanciamento das demais políticas macroeconômicas, especialmente aquelas voltadas para o fomento do emprego e do crescimento econômico.
O sindicato inicia o documento citando uma declaração de Galípolo, proferida em 22 de agosto de 2024, na qual afirmou que "a alta de juros está na mesa" e que o Banco Central "não vai hesitar, se for necessário, em elevar os juros" para perseguir a meta de inflação. Para os representantes dos bancários, essa postura ignora os efeitos adversos que medidas como essa podem causar no mercado de trabalho e no acesso ao crédito.
O SEEBB argumenta que a trajetória da política monetária brasileira, desde a adoção do Regime de Metas de Inflação, tem levado a um distanciamento do debate sobre o impacto das decisões do Banco Central na economia real. A entidade também lembra que a Lei Complementar nº 179/2021, que consolidou a autonomia do Banco Central, não concedeu à instituição um mandato exclusivo para o controle da inflação, mas também a incumbiu de "fomentar o pleno emprego".
Outro ponto levantado pelo sindicato diz respeito ao "déficit democrático" do modelo atual de Banco Central autônomo. A entidade critica a falta de mecanismos de controle social sobre as decisões da instituição e a sua crescente proximidade com o mercado financeiro em detrimento do diálogo com setores produtivos e trabalhadores.
O documento destaca ainda que, na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), realizada em dezembro de 2024, o Banco Central elevou a taxa básica de juros em um ponto percentual, fixando-a em 12,25% ao ano. Segundo o SEEBB, essa decisão não apenas encarece o crédito e afeta investimentos produtivos, mas também compromete a capacidade do governo de implementar políticas públicas voltadas para a redução da desigualdade social.
Na parte final do ofício, o SEEBB apresenta um conjunto de recomendações ao Banco Central, instando a instituição a considerar outros fatores além do controle inflacionário em suas decisões. O sindicato sugere que o BC leve em conta:
- Os impactos econômicos e sociais das decisões de política monetária sobre a renda, o emprego e as contas públicas;
- A necessidade de manter a coordenação entre a política monetária e as demais políticas macroeconômicas;
- A avaliação detalhada das causas da inflação para escolher os instrumentos mais adequados a cada cenário;
- Um horizonte de tempo adequado para atingir as metas de inflação sem comprometer o crescimento econômico.
Para o SEEBB, a condução da política monetária deve estar alinhada a um projeto de desenvolvimento sustentável e inclusivo, em vez de se pautar exclusivamente pelos interesses do mercado financeiro.
Leia abaixo a íntegra do ofício
"Brasília, 28 de Janeiro de 2025.
Ao
Banco Central do Brasil
A V.Sa. o Senhor GABRIEL MURICCA GALIPOLO
Diretor-Presidente
SBS Q. 3 Bloco B - Asa Sul, Brasília - DF, 70074-900
Senhor Presidente Galipolo,
O SEEBB - Sindicato dos Empregados em Estabelecimentos Bancários de Brasília, no desempenho de sua missão institucional de defesa e representação dos trabalhadores do setor financeiro no Distrito Federal, representado pelo seu presidente, Sr. EDUARDO ARAÚJO DE SOUZA, vem por meio deste expressar algumas reflexões com interesse direto no debate da agenda pública do desenvolvimento econômico e social e da inclusão e cidadania financeiras em nosso país.
1.
De pronto, externamos nossos votos e expectativas de bons ventos e valiosas iniciativas para o desenvolvimento econômico e social do Brasil ao longo do vosso mandato na Presidência do Banco Central, e, respeitosamente, iniciamos esse diálogo com citação de trecho de exposição de V. Sa.:
"Eu espero que a gente tenha conseguido deixar claro que, a partir do cenário que nós temos hoje, a alta de juros está na mesa, sim, e que o Banco Central não vai hesitar, se for necessário, a perseguição da meta, fazer uma elevação de juros."
(Gabriel Galipolo, em 22/08/2024).
2.
Sim, a experiência de décadas de inflação alta muito nos ensinou sobre o valor da estabilidade de preços, e aprendemos "na carne e no bolso" a importância de uma autoridade monetária diligente nesse tema. Afinal, é conhecido o papel que a inflação fora de controle entre os anos 1970 e meados dos anos 1990 desempenhou na concentração de renda em desfavor dos trabalhadores e dos extratos menos favorecidos da sociedade brasileira.
3.
Contudo, temos observado que o Banco Central (BC) de há muito tem se pautado especialmente em perseguir a meta de inflação - via elevação de juros tal como expressa na citação acima transcrita, a despeito das reconhecidas consequências dessa medida sobre as contas públicas, crescimento e emprego.
4.
Ora, não podemos olvidar que a Lei Complementar nº 179/2021, ao institucionalizar a autonomia operacional do BC, não lhe concedeu mandato exclusivo para a asseguração da estabilidade de preços, como pode se depreender do disposto no parágrafo 1º de seu artigo 1º, o qual inclui ainda como objetivos dessa autarquia "zelar pela estabilidade e pela eficiência do sistema financeiro, suavizar as flutuações do nível de atividade econômica e fomentar o pleno emprego."
5.
Advogamos, caro presidente Galipolo, e pressupomos que a formação intelectual e posicionamento público de V. Sa. nos aproxima nesse ponto, que o zelo e a criação de condições para o desenvolvimento econômico e social inclusivo, equitativo e ambientalmente sustentável do país devem ser os compromissos primeiros de todos os gestores públicos.
6.
E, para além da diversidade ou melhor, do dissenso, entre as variadas correntes de pensamento da ciência econômica, consideramos ser razoável que boa parte dos economistas - dentre os quais incluímos V. Sa. - perceba a taxa de juros como um instrumento capaz de influenciar a distribuição de renda, posto que a decisão do BC pode onerar ou desonerar dívidas (e custos de produção), influenciar nas decisões de acesso a crédito, produção e investimento (e, por consequência, no nível de emprego, renda e receita pública), e na determinação do nível da taxa de câmbio (e, por consequência, nos custos e nos fluxos de comércio e de capitais com o exterior).
7.
Sendo assim, senhor Presidente, ressaltamos a importância de incluir nos temas da mesa - e do mandato do BC - o crescimento econômico e o fomento ao pleno emprego, de forma a permitir que as decisões dessa autarquia sejam mais articuladas e contribuam com condições e resultados mais virtuosos para o planejamento e a execução de outras políticas públicas - econômicas e sociais - do Estado brasileiro.
8.
Sabemos da complexidade dos temas e da miríade de interesses políticos e econômicos que cercam as atribuições de um BC que responde pela regulação, supervisão e fiscalização das atividades das instituições financeiras, pela gestão das reservas internacionais e pelas políticas cambial e monetária.
9.
Contudo, julgamos importante também que se reflita sobre o modelo e as estruturas decisórias instituídas no Brasil nas últimas três décadas para tratar dos temas moeda e crédito, os quais, sob a justificativa de uma imprescindível "neutralidade técnica" e respeito à "boa ciência econômica", têm se afastado da política (e até do Estado!).
10.
Falamos aqui do caminho trilhado inicialmente com a exclusão da sociedade civil e até de segmentos do governo do Conselho Monetário Nacional, da posterior adoção do Regime de Metas de Inflação e, no último ato até esta data, a institucionalização da autonomia operacional do BC e a desvinculação do mandato de seu presidente do ciclo político-eleitoral do país.
11.
A autonomia do BC, nesse primeiro quadriênio de sua vigência, resultou no afastamento ainda maior, ou melhor, numa crescente descoordenação, das decisões de política monetária - em especial da definição das taxas de juros - das demais políticas macroeconômicas, em especial da política fiscal.
12.
Adicionalmente, observa-se que o pano de fundo deste quadro de descompasso na gestão da política econômica foi, nos últimos dois anos, o debate público entre o presidente da república, eleito democraticamente para a execução de uma agenda política e econômica aprovada pela maioria da sociedade em 2022, e o presidente do BC indicado no governo anterior.
13.
Considerando que os temas de política monetária diferentemente daqueles de política fiscal (execução de orçamentos e de emendas parlamentares) não atraem tanto a atenção parlamentar, cria-se o já denominado "déficit democrático" neste modelo de BC autônomo: uma instituição com escasso controle social, mas com significativo diálogo com o mercado financeiro, o qual demonstra aparente capacidade de verbalizar e pressionar pela atenção aos seus interesses na gestão dos ativos financeiros.
14.
Por exemplo, na Ata da Reunião 267ª do COPOM, realizada em 10 e 11 de dezembro último, assim é afirmado:
"Com relação à política econômica de forma mais geral, o Comitê manteve a firme convicção de que as políticas devem ser previsíveis, críveis e anticíclicas. Em particular, desacelerações são parte essencial do processo de suavização e reequilíbrio da economia. O debate do Comitê evidenciou, novamente, a necessidade de políticas fiscal e monetária harmoniosas."
15.
Ao cabo da citada reunião, assim resta registrado na Ata:
"O Copom então decidiu realizar um ajuste de maior magnitude, elevando a taxa básica de juros em 1,00 ponto percentual, para 12,25% a.a., e entende que essa decisão é compatível com a estratégia de convergência da inflação para o redor da meta ao longo do horizonte relevante."
16.
Ora, conforme mostra a tabela 1 da Ata, com previsão de IPCA de 4,9% para o exercício de 2024 (0,4% acima da banda superior da meta) e de 4,5% em 2025 (convergente à banda superior da meta), e se há no próprio documento o reconhecimento dos impactos da elevação de custos sobre a formação de preços (originados dos eventos climáticos extremos e do comportamento da taxa de câmbio), não se compreende a "justificativa técnica" para a elevação de um ponto percentual na taxa básica em dezembro de 2024 e para a sinalização de mais dois aumentos na mesma magnitude para o início de 2025. Se não é uma inflação predominantemente de demanda, qual é o sentido e a motivação para o BC utilizar a elevação da taxa de juros para provocar desacelerações como "parte essencial do processo de suavização e reequilíbrio da economia"?
17.
Como falar em "suavização" e "reequilíbrio" - com um PIB menor? - num mercado de trabalho com tamanha informalidade e precarização, conforme tem demonstrado mês após mês a PNAD/IBGE? Qual é o balanço desse tipo de decisão - clássica e usual nos 25 anos desde a adoção do Regime de Metas de Inflação - sobre a taxa de investimento, contas públicas e crescimento econômico do país?
18.
Dá para considerar que essa decisão do BC de aumentar a taxa de juros (e, por consequência, onerar o custo de rolagem da dívida pública) concorre de fato para a harmonia entre as políticas monetária e fiscal, num cenário de elevado esforço fiscal para assegurar a execução das necessárias políticas públicas de inclusão social e redução da pobreza?
19.
Caro presidente Galipolo, acreditando na vossa reconhecida capacidade de diálogo e construção coletiva, ressaltamos o quão importante seria sua liderança na condução de um BC mais democrático e harmonioso no relacionamento com os demais órgãos de Estado, e que neste tema da estabilidade de preços considere também na sua decisão:
a) os impactos - custos econômicos e sociais sobre o nível de atividade, contas públicas, renda e emprego - das decisões de recondução da taxa de inflação à meta definida pelo CMN;
b) a manutenção da coordenação e articulação da política monetária com as demais políticas macroeconômicas;
c) as causas e a natureza do processo inflacionário a cada momento histórico: choque de oferta, custos, demanda etc., e os respectivos instrumentos mais adequados para cada situação;
d) o horizonte de tempo e a velocidade adequados para fazer a convergência da taxa de inflação à meta definida pelo CMN.
Portanto, agradecendo vossa atenção, reiteramos nossos votos e expectativas que vossa passagem pela presidência do BC resulte na criação de condições para a construção e a consolidação de uma trajetória de desenvolvimento econômico e social inclusivo, equitativo e ambientalmente sustentável para o Brasil.
Atenciosamente,
Eduardo Araújo de Souza
Diretor-Presidente"