De acordo com dados recentes do Fundo Monetário Internacional e de seu relatório acerca da Composição Monetária das Reservas Cambiais Oficiais (COFER), o dólar, a moeda de referência e reserva de valor internacional desde o pós-Segunda Guerra Mundial, tem tido sua função continuamente deteriorada.
A redução da participação do dólar nas reservas cambiais das últimas duas décadas, afirma o FMI, foi acompanhada por um aumento na participação de "moedas de reserva não tradicionais", com destaque para o crescimento da moeda chinesa, o renminbi, do euro (a segunda moeda mais usada no mundo como reserva de valor) e dos dólares canadense e australiano.
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Há outros fatores importantes a se considerar para a redução avistada na função de referência do dólar: entre eles, a gradual perda de força da economia e da influência norte-americana na geopolítica global, acentuadas pela política exacerbada de sanções a opositores políticos nos seus campos de influência na Europa e na Ásia (representados sobretudo por Rússia e China), e a preferência estratégica de alguns países emergentes e das grandes potências do Sul global pelo uso de moedas que ofereçam alternativas viáveis à “geopolítica do dólar” em transações internacionais.
A constante sinalização de grupos como os Brics (cujos principais membros são Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) por métodos de pagamento alternativos entre si, baseados em sistemas financeiros para transações independentes — como é o caso da nova moeda digital nacional anunciada este ano pelo Irã, seguida de um sistema de pagamentos bilateral e inteiramente desdolarizado com a Rússia, que deve servir para gerenciar riscos e aumentar a resiliência da estrutura de pagamentos dos países a fim de "superar as dificuldades trazidas pelas sanções norte-americanas" e para facilitar transações multilaterais entre seus aliados como alternativa ao dólar.
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De julho a setembro de 2024, a participação do dólar nas reservas oficiais globais caiu 0,85%, mostram dados do FMI, o que levou a moeda a atingir seu nível mais baixo em 29 anos (isto é, desde 1995).
Dólar e a política do medo
Os dados têm confirmado a preocupação de Donald Trump, o presidente eleito dos EUA em novembro de 2024, acerca da “fuga do dólar” motivada por iniciativas desdolarizantes em economias-chave. O presidente dos Estados Unidos ameaçou os países dos Brics, os mais avançados em iniciativas dessa espécie, com "100% de tarifas" e um "adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana", como escreveu na sua própria plataforma de comunicação, a Truth Social, em 30 de novembro, caso prosseguissem com seus planos de independência financeira do dólar.
"Não há nenhuma chance dos Brics substituírem o dólar americano no comércio internacional", disse ele, "e qualquer países que tentar deve dizer adeus aos EUA".
Em resposta a essas ameaças, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, afirmou que o uso do dólar como "uma ferramenta de luta política ou talvez armada" foi o responsável por minar as "bases fundamentais do dólar como moeda de reserva", e enfatizou que a Rússia nunca rejeitou o dólar, mas foi rejeitada pelo sistema dolarizado.
De acordo com o Monitor de Dominância do Dólar do Atlantic Council, o dólar corresponde, atualmente, a cerca de 58% da parcela de reservas globais. Em seguida vêm o euro, o renminbi e o yen japonês.
Apesar disso, ainda segundo o monitor, o dólar ainda corresponde a pelo menos 88% das transações internacionais — e é esse cenário que tende a mudar na próxima década, seguindo a tendência de diversificação de métodos de pagamento dos países em que a participação do dólar cai gradualmente.
A Rússia já inicia um amplo projeto de desdolarização de suas reservas internacionais, atingido até 65% de transações em outras moedas nacionais para acordos comerciais travados com seus aliados. É uma realidade de que a China compartilha.
"Alguns sugeriram que o que caracterizamos como um declínio contínuo da participação do dólar [nas reservas internacionais] e o aumento na participação de moedas não tradicionais reflete, na verdade, o comportamento de um punhado de grandes detentores de reservas", aponta o FMI, que continua positivo sobre a dominância do dólar e não a atribui à adoção de sanções e ameaças de "tarifaço" por parte dos EUA (isto é, à sua política cada vez mais isolacionista e incisiva, sobretudo sob Trump).
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"A Rússia tem razões geopolíticas para ser cautelosa em manter dólares [na sua economia], prossegue a análise da instituição, "enquanto a Suíça, que acumulou reservas na última década, tem motivos para manter uma grande fração de suas reservas em euros, sendo a zona do euro seu vizinho geográfico e parceiro comercial mais importante". Excluindo-se esses dois players, afirma o FMI, de acordo com os dados agregados do relatório COFER e dos bancos centrais de 2007 a 2021, "encontramos pouca mudança na tendência geral".
Ainda que a diminuição da relevância do dólar caminhe a passos lentos, o que alcança rapidez é a participação das chamadas "moedas não tradicionais" e métodos não tradicionais de transações financeiras multilaterais em substituição à sua influência (e às políticas restritivas empregadas pelos EUA) na economia internacional. No final de 2020, pelo menos 5% das reservas cambiais eram feitas em moedas não tradicionais, o que inclui as economias do G20 (grupo das 20 maiores economias do mundo). E a lista de países cresce.
De forma geral, diz o Fundo Monetário, avista-se "um movimento muito gradual para longe do domínio do dólar e um papel crescente para as moedas não tradicionais de economias pequenas, abertas e bem administradas, possibilitadas por novas tecnologias de comércio digital".