Diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep), Mahatma Ramos dos Santos está otimista em relação ao plano de transição energética do governo Lula e da Petrobrás, alvo de desmonte e negacionismo climático nos quatro anos em que o Brasil esteve subjugado ao fascismo neoliberal de Jair Bolsonaro (PL).
Em entrevista exclusiva à Fórum, Santos afirma que não há mais espaço e tempo para negacionismos e que Lula e a Petrobrás podem se tornar os grandes protagonistas no mundo na transição para uma matriz energética sustentável.
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"Acredito que o atual governo reconhece a extensão da crise climática e as potencialidades do Brasil e da Petrobrás, mas é preciso lembrar que a Petrobrás ainda é uma empresa em disputa. Muitos stakeholders ainda veem a empresa apenas como uma máquina de distribuição de dividendos, e não como um instrumento potente de desenvolvimento social. Mudar isso é uma tarefa árdua", diz.
À frente do Ineep, Santos, juntamente com outros pesquisadores do instituto, são os organizadores do livro "Transição Energética: Geopolítica, Corporações, Finanças e Trabalho", que tem o prefácio do ex-presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, e reúne uma série de estudos para se "pensar as condições necessárias para que essa transição tenha um viés efetivamente justo em um dos dez países mais desiguais do mundo", segundo estudo escrito por ele em um dos capítulos da obra.
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"O que salvará o planeta são as pessoas e o uso que elas fazem dos insumos energéticos disponíveis. Não há mais tempo para negacionismos e negacionistas. A crise climática é uma realidade irrefutável e um fenômeno global, que precisa ser enfrentado com celeridade e justiça social", disse à Fórum.
Dedicado aos estudos urgentes para reverter a drástica situação vivida pelo mundo em relação ao aquecimento global, Santos mostra-se novamente otimista quando indagado se ainda há tempo para se fazer a transição energética a fim de preservar a humanidade.
"Sim. A questão é que se não se avançar na velocidade necessária os impactos serão cada vez mais recorrentes e trágicos. Mas vale lembrar que esses impactos são desiguais, portanto, o debate sobre proteção e justiça social precisa estar no centro dessa agenda", diz o pesquisador.
O livro, uma parceria entre o Ineep e a Fundação Friedrich Ebert Brasil (FES), será lançado nesta terça-feira (23), às 18h, em evento online nos canais do Ineep e da FES no Youtube.
Leia a entrevista na íntegra
FÓRUM: O recrudescimento da extrema direita, que faz a defesa enfática do cartel das petrolíferas transnacionais, busca confrontar o discurso ambiental e, consequentemente, a transição energética no planeta. Como você vê essa relação entre esse discurso e o processo de mudança da matriz energética? Há tempo hábil para que se adote uma energia limpa para salvar o planeta de um colapso?
Mahatma Ramos dos Santos: O que salvará o planeta são as pessoas e o uso que elas fazem dos insumos energéticos disponíveis. Não há mais tempo para negacionismos e negacionistas. A crise climática é uma realidade irrefutável e um fenômeno global, que precisa ser enfrentado com celeridade e justiça social. É preciso construir saídas tecnológicas para descarbonização da matriz energética global, mas sobretudo saídas políticas para avançar na construção de um novo modelo de desenvolvimento. Para nós, o grande desafio para fomento da transição energética justa é a concertação social entre os múltiplos atores e interesses sobre os parâmetros de desenvolvimento. A reorganização e fortalecimento de uma governança global mais participativa e a coordenação dos estados nacionais são elementos essenciais para avançar com a velocidade necessária na transição energética.
FÓRUM: O Brasil esteve na vanguarda da transição energética com o Pró-Alcool, desenvolvido ainda nos anos 1970. De lá pra cá, a Petrobrás virou alvo dos grandes players neoliberais, que influenciam o mundo político - com o impeachment de Dilma em 2016 - e a Lava Jato, que tinham como alvo a empresa brasileira. Qual o papel do Brasil e da Petrobrás nessa transição atualmente? Lula tem força para encarar esses interesses?
Mahatma Ramos dos Santos: O Brasil é um player estratégico para a transição energética e Lula uma das maiores lideranças políticas do planeta atualmente, o que nos coloca em posição estratégica nessa agenda. A coordenação do Estado na construção de um sistema de políticas públicas de enfrentamento da crise climática e o efetivo envolvimento das empresas e bancos estatais são fundamentais nesse processo de transição.
Temos múltiplas vantagens comparativas em relação a outros países, desde uma matriz energética e elétrica quase três vezes mais renovável que a média global, reflexo dessa longa trajetória de políticas públicas direcionadas a práticas mais sustentáveis, como, por exemplo, dos biocombustíveis. E ainda possuímos ampla biodiversidade, a Amazônia e abundantes reservas de recursos naturais, energéticos e minerais. No entanto, ainda somos o quinto país que mais emitir emissões de gases de efeito estufa do mundo, decorrente, sobretudo, do desmatamento e setor agropecuário (cerca de 75% das nossas emissões decorrem dessas atividades, uso e manejo da terra).
A transição energética é um desafio, mas também é uma oportunidade para que o Brasil retome seu desenvolvimento industrial, agora em direção a uma economia de baixo carbono e mais inclusiva e justa. A Petrobrás pode ser a grande protagonista nessa transição, como uma empresa de energia. Mesmo depois de um amplo e acelerado processo de desmonte e desnacionalização da empresa, ela ainda pode ser um vetor importante de descarbonização e estruturação de novas rotas tecnológicas no Brasil,desenvolvendo desde os biocombustíveis, até hidrogênio verde, combustíveis sintéticos, SAF (Combustível sustentável de aviação), eólicas offshore, biorefino, entre outras rotas.
Acredito que o atual governo reconhece a extensão da crise climática e as potencialidades do Brasil e da Petrobrás, mas é preciso lembrar que a Petrobrás ainda é uma empresa em disputa. Muitos stakeholders ainda veem a empresa apenas como uma máquina de distribuição de dividendos, e não como um instrumento potente de desenvolvimento social. Mudar isso é uma tarefa árdua.
Em síntese, para enfrentar a agenda da transição é preciso, primeiro, fortalecer a democracia brasileira e construção de políticas públicas com participação e diálogo social efetivo.
FÓRUM: Como você vê os interesses de atores do próprio governo na exploração de petróleo na foz do Amazonas? Não seria um contrassenso de Lula, que tem demonstrado especial interesse na questão ambiental?
Mahatma Ramos dos Santos: A transição energética será um processo lento, assimétrico e não linear na nossa avaliação e que, portanto, ainda levará algumas décadas. Nesse processo gradual de transição a segurança energética nacional ainda dependerá da exploração e uso de combustíveis fósseis. Avançar na descarbonização e transição energética não é contraditório com a busca pela soberania e segurança energética, ainda mais em um país como o Brasil, cuja matriz energética e elétrica é muito menos emissora que a global. A segurança energética está no centro das disputas comerciais, tecnológicas e conflitos bélicos no mundo. É preciso pensar o setor energético nacional como elemento estratégico do desenvolvimento nacional.
Avançar sobre novas fronteiras exploratórias no Brasil é necessário, assim como garantir o controle estatal e uso soberano desses recursos. No entanto, como o Ineep sempre chama atenção, é preciso que a sociedade construa e valide os parâmetros sociais, ambientais e econômicos sob os quais essa exploração ocorrerá. Assim como é preciso respeitar a legislação ambiental e os órgãos ambientais existentes.
Ademais, a margem equatorial não é a única fronteira exploratória offshore no Brasil, existem indícios de potencial exploratório na Margem Leste e podemos avançar também nas atividades exploratórias em bacias como Sergipe-Alagoas e na bacia de Pelotas. O fato é que o Brasil e o mundo ainda precisarão do uso dos combustíveis fósseis para abastecimento interno.
FÓRUM: Ainda há tempo - e se há quanto tempo - para se fazer a transição energética a fim de preservar a humanidade?
Mahatma Ramos dos Santos: Sim. A questão é que se não se avançar na velocidade necessária os impactos serão cada vez mais recorrentes e trágicos. Mas vale lembrar que esses impactos são desiguais, portanto, o debate sobre proteção e justiça social precisa estar no centro dessa agenda.