Joseph Stiglitz, economista, professor da Columbia University nos EUA e Prêmio Nobel de Economia, defendeu na tarde desta terça-feira (12) que o Brasil faça logo a Reforma Tributária a fim de corrigir injustiças históricas que penalizam os mais pobres e facilitam demasiadamente a vida dos super-ricos no país. O apelo por um sistema tributário mais justo e eficiente veio após sua fala no seminário Tributação e desigualdades no Sul Global: Diálogos sobre Justiça Fiscal, organizado pela Oxfam Brasil e pelo Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos).
Stiglitz começou sua fala explicando em termos globais como funcionam os sistemas tributários injustos e a necessidade de corrigi-los. Para o especialista, um dos principais do planeta no tema, é importante que a taxação dos super-ricos seja feita para que os estados tenham condições e recursos para tomar ações necessárias e políticas públicas pertinentes que visam uma maior justiça econômica e social. Para ele, não há democracia que se desenvolva plenamente sem que esses objetivos sejam atingidos.
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“É essencial que os governos tenham recursos adequados e infelizmente o senso de comunidade não é forte o suficiente para que os cidadãos que têm mais recursos deem de bom grado para a sociedade. Em nenhum lugar do mundo os super-ricos darão metade dos seus rendimentos porque querem uma sociedade mais justa, então é preciso que haja impostos”, iniciou a explicação.
A seguir, explica que nas atuais democracias os sistemas tributários injustos seguem em vigor por uma razão bastante óbvia: são esses grupos de super-ricos e as empresas as quais gerenciam quem realmente influencia historicamente os debates sobre tais políticas.
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“Infelizmente a maioria dos países ao redor do mundo e o sistema global não satisfazem essas condições e isso não é um acaso ou um acidente. O poder político é muito determinante e está relacionado ao poder econômico. Ou seja, aqueles de cima não querem pagar sua parte da conta. Eles não só não são caridosos como gastam seu dinheiro por meio do processo político para que não sejam tributados. O resultado é que na maioria dos países do mundo, ao invés de ter um sistema progressivo de tributação onde quem tem mais paga mais, o que vemos é um alto grau de regressividade, em que aqueles de baixo pagam muito mais impostos. E deveria ser óbvio de que isso não é justo. Um bombeiro e um operário não podem pagar mais impostos do que uma pessoa que só administra imóveis ou ações que herda,” exemplifica.
Stiglitz também explicou, em termos corporativos, como as grandes empresas, a transnacionais, são eficientes em manipular sua produção e gerenciamento de renda para fugir da tributação. Como exemplo, falou sobre a produção de uma camiseta. Explicou em termos gerais que uma gigante das roupas pode produzir suas camisetas em diversos países mas, antes de enviá-las ao mercado, as camisetas chegariam em um país como o Panamá, onde a tributação é mais atraente, e colocariam uma etiqueta com o dizer: “Made in Panamá”. Dessa maneira, declararia que – por exemplo – 90% dessa produção foi feita no país, fazendo com que a taxação seja menor em relação ao que seria cobrado no Brasil, na Colômbia ou na Indonésia, onde o produto teria sido produzido de fato.
“Estamos falando de bilhões de dólares e os ricos estão pagando 0,2% em imposto de renda em média. As empresas de tecnologia, por exemplo, que são brilhantes para desenvolver seus produtos, são ainda mais brilhantes para driblar os tributos. Eles mudam os lucros para países como o Panamá para evitar a taxação. Não é uma surpresa que nos países mais poderosos do mundo, como os EUA, as empresas que fogem dos impostos determinarem essas agendas”, explicou.
Mas como uma cabeça de pensamento altamente complexo, Stiglitz também se recorda das exceções, ou seja, daqueles indivíduos que compõem o espectro dos super-ricos e reconhecem tal injustiça tributária global. “Há ricos que são boas pessoas, entendem que isso é injusto, mas só aceitam pagar os impostos se todo os outros também pagarem”, ponderou.
Finalizando a explanação geral, Joseph Stigliz ainda fez um comentário sobre o longo processo de debates acerca de um sistema de tributação global mais justo.
“Do ponto de vista do Sul Global foi um fracasso. O Sul não foi escutado. Fizeram uma proposta bem sólida e isso foi deixado de lado. A proposta dos EUA foi o que prevaleceu. Em retorno por não conseguir quase nada e não receber quase nada, os países do Sul assinaram a proposta para dar o direito a tributação digital e deixar os tributos dos super-ricos de lado. Isso é uma reforma tributária injusta. A noticia ruim é que passaram 10 anos negociando e foi uma negociação dura. Mas acontece que tem que ser ratificado pelo Congresso dos EUA, mas tanto republicanos como os democratas não acreditam que seja vantajoso. Eles dizem que as regras estão erradas. Mesmo entre os democratas, onde há gente boa, e eu sou um democrata, muitos olham para isso e acham que o acordo é cru e, se não entrar em vigor nos EUA, no entra em vigor no mundo. Dessa forma os 10 anos de debates vão por água abaixo. Então agora que o Brasil lidera o G20 deve puxar esse debate e pautar um processo mais transparente com mais voz para o Sul Global. O que surgirá daí será um bom acordo, mais justo para o Sul e para todos os países”, projetou.
Brasil precisa fazer a Reforma Tributária
Indo para a parte final da sua intervenção, Stiglitz falou sobre a urgência que o Brasil tem em aprovar a Reforma Tributária e começar a taxar a renda dos super-ricos, além de aliviar a tributação sobre o consumo que atinge os mais pobres. Mais do que uma questão ideológica, o Prêmio Nobel de Economia aponta que será necessária a receita proveniente dos ricaços, sobretudo tendo em vista o incerto cenário internacional e a urgência para uma transição energética e ecológica que só poderá ser feita com recursos geridos pelos estados e pelas sociedades.
“Acho que é muito importante que a Reforma Tributária seja feita rapidamente, com urgência. A economia global não apresentará um contexto favorável. As coisas estão mais lentas na China, na Europa… Você precisa de receitas agora por conta da transição verde e do clima. Há uma urgência para que se tenha essa receita. Se não se fizer essa reforma, a pressão para ter política macroeconômicas retraídas será muito forte e vocês serão prejudicados duplamente pelo crescimento lento e pela falta de políticas públicas”, explicou.
Após alertar sobre a possibilidade do retorno das políticas de austeridades que marcaram, sobretudo, os governos Temer e Bolsonaro, Stiglitz elogia, nesse sentido, a reforma tributária proposta pelo Governo Lula e aponta que é a única forma para evitar essas questões econômicas adversas que estão vindo de fora.
“O Brasil é um pouco diferente dos mercados emergentes porque a receita é próxima da média da OCDE, até um pouco mais. Mas os super-ricos não estão pagando a parte justa da tributação. E se foram taxados, vai acabar com um sistema de tributação que coleta pouco. Em todo caso, o fracasso brasileiro não está na arrecadação mas na forma como é feita. Há provisões para os super-ricos que os permite guardar dinheiro sem pagar tributos. O efeito de tudo isso é que os super-ricos não estão pagando de forma justa. O sistema é regressivo, não é igualitário e vocês estão pagando mais do que deveriam”, explica.
O Prêmio Nobel de Economia finalizou sua intervenção fazendo um apelo para a mobilização das classes trabalhadoras brasileiras no sentido de pautar essa reforma.
“O Brasil está no meio de ataques referentes à discussão da Reforma Tributária e a voz da sociedade civil e dos trabalhadores é muito importante nesse processo. Comecei minha fala falando porque temos um sistema de tributação injusto. É uma falha na nossa democracia. A voz das pessoas comuns precisa ser ouvida e para isso é preciso se mobilizar, é preciso ter uma ação coletiva de forma voluntária. É importante dizer que taxar os super-ricos não vai ser ruim para a economia e não precisa ser feito de forma gradual. A reforma tributária é o que o Brasil precisa e suas vozes precisam falar sobre isso. Agora é com vocês”, finalizou.
Bernard Appy, o secretário extraordinário da Reforma Tributária do Governo Lula, que também participou do debate, concorda com Stiglitz e fala sobre duas faces da reforma: uma irá diminuir a taxação do consumo da população em geral e outra que pretende taxar a renda dos super-ricos.
"Tributamos consumo e deixamos rolar a renda. E a Reforma Tributária, mesmo não sendo a ideal, busca reduzir essa distância. A importância maior é porque vai ter um impacto muito positivo para a economia brasileira; estimamos um aumento de 2,5% no PIB em 10 anos. Estamos falando em 400 bilhões de reais a mais para os governos tocarem políticas públicas. Não tem nada de ser contra os super-ricos, não é ideológico, é apenas uma questão básica de propor um sistema mais justo e eficiente para todos”, declarou.
Além de Joseph Stiglitz e do secretário Appy, também participaram do debate Benilda Brito, conselheira do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social e Sustentável (CDESS); Martín Guzmán, ex-ministro da Fazenda da Argentina; e Katia Maia, a diretora-executiva da Oxfam Brasil, foi a mediadora.