“Ninguém no Congresso, exceto a extrema direita, cogita votar contra o arcabouço fiscal”, avaliam dois dos mais experientes parlamentares da esquerda no Congresso. Isso não quer dizer que o projeto dos ministros Fernando Haddad e Simone Tebet seja um consenso. Há choro e ranger de dentes, mas nenhum parlamentar até agora ousou abrir fogo contra. A consideração é a mesma: a inspiração do arcabouço seria neoliberal, mas o cenário político não autoriza uma oposição aberta a uma medida tão crucial do governo.
“É um teto de gastos melhorado”, afirma um parlamentar do PT. No entanto, avalia ele, “não temos para onde correr, no máximo apresentar algumas emendas que suavizem o risco de o arcabouço manter o país com crescimento medíocre e desemprego alto”.
Te podría interesar
Crescimento econômico é a palavra-chave ao redor do arcabouço fiscal. Outro parlamentar do PT, com trânsito no Planalto, diz que o presidente Lula está certo de que as medidas que o governo já adotou (como o Bolsa Família e a reativação do Minha Casa, Minha Vida) e as que pretende adotar ainda no primeiro semestre terão o condão de levar o país de volta à trilha do crescimento. Haddad tem a mesma crença, mas em boa medida baseado em outro vetor: ele concorda com a ideia de fundo conservador de que a “confiança dos agentes econômicos” fará a economia acelerar — os economistas progressista ironizam essa visão qualificando-a como “a fé na fadinha da confiança”.
Lula expressou sua convicção pela primeira vez de maneira pública na reunião com ministros da área produtiva e institucional. “Eu disse para o [Fernando] Haddad na semana passada que não concordo com as avaliações negativas de que o PIB vai crescer zero não sei das quantas, zero ponto um, que o PIB não sei das quantas”, disse.
Lula não fez menção direta ao mercado financeiro, mas deve ter se referido a ele ao fazer a crítica à projeção do Boletim Focus, do Banco Central, que informa uma previsão de crescimento do PIB de apenas 0,9% em 2023. Acontece que a projeção de seu próprio governo não está longe disso: em 17 de março, a estimativa da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda foi de um crescimento do PIB de apenas 1,6%. Segundo o economista David Deccache, o crescimento projetado, além de pífio, origina-se das atividades do agronegócio. “Ou seja, o crescimento nos centros urbanos deverá ser quase nulo”, aponta o economista.
O grave, segundo vários economistas com quem a Fórum conversou, é que o arcabouço de Haddad-Tebet não rompe com a lógica da quase estagnação. Ao contrário, pode aprofundá-la.
O tema continuará pautando as análises e conversas reservadas nas próximas duas semanas e num terreno pantanoso, pois, apesar do anúncio do arcabouço fiscal na última quinta (30), não há ainda um texto com o conjunto de medidas. Haddad anunciou nesta segunda (3) em São Paulo que o texto final ainda vai demorar e provavelmente só chegará oficialmente ao Congresso no final da próxima semana, ao redor do dia 15. De fato, Brasília está esvaziada nesta Semana Santa, vivendo uma espécie de recesso branco.
Desde o anúncio das medidas, Haddad tem se reunido basicamente com as equipes da Fazenda e Planejamento e com líderes empresariais. Na sexta, o ministro recebeu o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Josué Gomes da Silva, os presidentes do Santander Brasil, da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), do Secovi-SP, além do economista-chefe da Genial Investimentos e do da Enel Distribuição São Paulo.
Nesta segunda, a conversa mais importante do dia é com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Não houve até agora uma conversa sequer com o movimento sindical, com movimentos sociais ou líderes da sociedade civil. E isso tem incomodado muita gente.