ECONOMIA

Taxação de fundos exclusivos e offshores é um pequeno avanço contra a injustiça tributária no Brasil

Para especialistas, o imposto aprovado sobre os fundos exclusivos e as offshores não pode ser considerada uma "taxação dos super-ricos" e ainda está distante de corrigir a injustiça tributária no Brasil.

Fernando Haddad e Lula em evento na Fiesp.Créditos: Bruno Santos/Folhapress
Escrito en ECONOMIA el

Fruto de um esforço do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a aprovação no Senado do PL 4.173/2023, que estabelece a taxação dos chamados "fundos exclusivos" e de empresas offshores - localizadas quase sempre em paraísos fiscais -, representa um pequeno avanço diante da injustiça tributária no país.

Festejado pelo governo e pela base aliada, o aval ao projeto, que deve ser sancionado pelo presidente Lula até 31 de dezembro, corrige "distorções" no sistema tributário, provocadas principalmente pelos governos Michel Temer (MDB) e Jair Bolsonaro (PL), para privilegiar os endinheirados do país, como define Haddad.

"Aprovamos a taxação dos super-ricos, que são as offshores e os fundos fechados, temos a instalação da comissão mista da MP 1185, que corrige uma distorção absurda de nosso sistema tributário fazendo com que grandes empresas não paguem imposto de renda prejudicando estados e municípios que deixam de receber fundos de participação, temos também os bets [sistema de apostas online, que serão taxados] que vão para o Senado, onde será votado o projeto de lei na semana que vem, temos também os juros sobre capital próprio que está em discussão se será votado este ano, o que seria ótimo para as contas públicas. Tudo isso são correções e distorções provocadas nos últimos anos que minou a base fiscal do Estado brasileiro. São grupos de interesses que se apropriam do orçamento público prejudicando a população, estados, municípios e a própria União", ressaltou Haddad ao celebrar a aprovação do PL.

No entanto, para especialistas, o imposto aprovado sobre os fundos exclusivos e as offshores não pode ser considerado uma "taxação dos super-ricos" e ainda está distante de corrigir a injustiça tributária e, mais ainda, reduzir o fosso entre ricos e pobres no país.

"Aquilo que é vendido pela base mais oficialista do PT como sendo uma grande conquista é uma meia verdade. Se você imagina o potencial arrecadador do ponto de vista tributário disso, mesmo diante das expectativas mais otimistas do governo são muito baixas. É algo em torno de R$ 20 bilhões para 2024. Isso pode ser comparado com o que o governo gasta de juros da dívida pública: nos últimos 12 meses foram R$ 700 bilhões. No último mês foi em torno de R$ 70 bi", afirma o economista Paulo Kliass, doutor em Economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.

Em entrevista à Fórum, o economista Plínio de Arruda Sampaio Júnior, professor aposentado do Instituto de Economia da Unicamp, afirmou que "a Unafisco - Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal - calcula que os ‘privilégios tributários’ teriam alcançado R$ 440,5 bilhões em 2023". O valor é quase o triplo dos R$ 168 bilhões estimados para que o governo possa cumprir a meta de zerar o déficit primário em 2024.

Kliass ressalta que qualquer tipo de taxação que venha a ser feita sobre fundos offshores e exclusivos em relação à situação atual é melhor. "Porque atualmente eles são completamente isentos - com taxação apenas no momento do resgate."

No entanto, fazendo uma analogia com o arcabouço fiscal - aprovado para derrubar o teto fiscal imposto por Temer e que coloca a meta de déficit zero -, Kliass admite que o projeto final aprovado pelo Congresso ficou aquém das expectativas do campo progressista

"É óbvio que qualquer medida que fosse adotada para substituir o teto de gastos do Temer seria melhor. Só que o que a gente queria é que fosse revogado para depois se discutir uma medida de substituição, mas veio o novo arcabouço fiscal. A defesa do arcabouço não é pelo mérito dele, mas porque era - entre aspas - 'menos ruim' que o teto de gastos de 30 anos do Temer. Então, nesse caso é semelhante. O que se tem é que vai haver a taxação, só que em condições muito mais favoráveis aos capitalistas e investidores do que acontece para a maioria das modalidades de investimentos no Brasil", diz.

Patrimonialismo liberal no Congresso

Segundo estimativas do governo, a taxação deve impactar nos ganhos exorbitantes de 2,5 mil brasileiros, que acumulam mais de R$ 756 bilhões e investem em fundos exclusivos, que têm apenas um ou poucos cotistas e exigem investimento mínimo de R$ 10 milhões.

No entanto, as negociações com o Congresso Nacional derrubaram as previsões do governo. Em agosto, Lula assinou a medida provisória 1.184/2023 que previa a aplicação de alíquotas de 15% a 20% sobre rendimentos de fundos exclusivos.

A MP foi incorporada ao projeto de lei e após diversas modificações nas negociações com parlamentares, a alíquota ficou em 15% sobre os ganhos, que deverá ser paga duas vezes ao ano, a cada seis meses. 

Contrariando as pretensões iniciais do governo, o Congresso também reduziu de 10% para 8% a cobrança para quem antecipar a informação ao fisco até o final deste ano sobre os rendimentos obtidos tanto por meio de fundos exclusivos quanto de aplicações no exterior, nas chamadas offshores – um desconto de quase 50% em relação à taxa que vigora a partir de 2024, de 15%.

Com isso, a estimativa de arrecadação de R$ 20 bilhões para 2024, caiu para R$ 13 bilhões.

Ex-ministro da Previdência e do Trabalho no primeiro governo Lula - que também comandou pastas na gestão Dilma Rousseff -, Ricardo Berzoini afirma que houve um pequeno avanço, mas pretensões de Lula e Haddad foram frustradas pela "base patrimonialista neoliberal do Congresso".

"É um pequeno avanço, mitigado pela base patrimonialista neoliberal do Congresso. Mas já é alguma coisa. Mas não devemos chamar de taxação de super-ricos. Isso só se dará com maior progressividade do Imposto de Renda e com a taxação de dividendos e heranças. O governo faz o que pode, mesmo por conta da ausência de mobilização popular por uma verdadeira reforma tributária", diz.

Berzoini ressalta que o Brasil é o país onde há maior injustiça tributária - refletida na desigualdade social - no mundo e que é preciso haver uma reversão entre aqueles que vivem do trabalho e pagam mais impostos e os que vivem de renda, beneficiados pela estrutura de impostos.

"O Brasil é o único país do mundo que tem alíquota baixa em relação à herança de grande porte. E também é o único país relevante no mundo que não tributa dividendos. Além do nosso padrão de imposto de renda ser o pior do mundo. Não há país relevante algum que tenha uma tabela tão pouco progressiva como a nossa. Nos EUA, a alíquota mais alta é 37% e o Biden quer elevar para 39%. Em Portugal, Espanha, Alemanha, França é acima de 40%. E no Brasil no máximo 27,5% sendo que se aplicar na bolsa paga 0% em dividendos, e se aplicar em renda fixa paga de 15% a 22,5%. Ou seja quem vive de renda no Brasil paga menos imposto do que quem vive do trabalho", compara.

Na mesma direção, Paulo Kliass afirma que para haver uma comemoração de fato sobre a taxação dos super-ricos é preciso "fechar todas as portas" por onde passam as "distorções", como classifica Haddad.

"Se fechasse todas as portas, se colocasse alíquotas que efetivamente reduzissem o grau de concentração de renda e patrimônio, a gente poderia comemorar de fato. É uma semicomemoração defensiva porque é melhor do que era antes, mas não resolve nosso problema", diz.

Berzoini, que já esteve também no Congresso como deputado federal, dá a receita que deve ser seguida não só pelo governo, mas pelos eleitores brasileiros para, definitivamente, colocar um fim na injustiça tributária no Brasil.

"Para avançar mais, há duas hipóteses: mobilizar centenas de milhares de pessoas para irem às ruas. A segunda é eleger maioria no Congresso. Ou as duas combinadas."