O PETRÓLEO É NOSSO

Petrobrás: aos 70 anos, sob a cobiça do mundo, estatal do petróleo ainda é nossa

Desde sua criação, em 3 de outubro de 1953, a Petrobrás é alvo da sanha do sistema financeiro e o principal motivo de golpes e tentativas. Sob a gestão de Lula, a empresa buscar manter a soberania.

Na descoberta do Pré-Sal, Lula repetiu gesto de Getúlio Vargas.Créditos: Arquivo FGV / Ricardo Stuckert
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"O Petróleo é nosso". A frase cunhada por Getúlio Vargas em 1939, quando se descobriu e se perfurou o poço de Lobato, na Bahia, atravessou décadas e se tornou a principal bandeira para a defesa da empresa estatal Petróleo Brasileiro S.A., criada pela Lei 2.004 em 3 de outubro de 1953.

"Fica a União autorizada a constituir, na forma desta lei, uma sociedade por ações, que se denominará Petróleo Brasileiro S. A. e usará a sigla ou abreviatura de Petrobrás", diz o artigo 5º do capítulo III, da lei assinada pelo mesmo Vargas.

A partir de então foram 10 meses, até o dia 1º de Agosto de 1954, de debates acalorados no Congresso entre os nacionalistas que, assim como Vargas, desejavam manter o controle do Estado sob o petróleo que viria a ser explorado, e os entreguistas, que queriam entregar a exploração às empresas transnacionais que avançavam sobre os poços de petróleo mundo afora.

O debate em torno da soberania econômica do país resultou na crise político-militar. Auxiliar direto de Vargas, o general Mozart Dornelles, então subchefe do Gabinete Militar, ouviu de Assis Chateaubriand, que dominava a mídia entreguista à época, que era só Vargas "desistir da Petrobras que eu tiro a televisão do Carlos Lacerda e entrego a quem o presidente quiser, para defender seu governo".

Então ministro da Justiça, Tancredo Neves deu a resposta de Vargas para que o general levasse a Chateaubriand. Indagado por Mozart Dornelles se deveria contar ao presidente sobre a conversa com o empresário, Tancredo foi sucinto: "Acho que você deve contar. Mas esteja certo de uma coisa. O presidente morre mas não desiste da Petrobras". Na madrugada de 23 para 24 de agosto, Getúlio Vargas atirou contra o próprio peito dando "à sanha de meus inimigos, o legado de minha morte".

"Tornei-me perigoso aos poderosos do dia e às castas privilegiadas. Velho e cansado, preferi ir prestar contas ao Senhor, não dos crimes que não cometi, mas de poderosos interesses que contrariei, ora porque se opunham aos próprios interesses nacionais, ora porque exploravam, impiedosamente, aos pobres e aos humildes", escreveu na sua carta-testamento.

70 Anos

Sete décadas depois, a Petrobrás ainda é alvo da cobiça das transnacionais do petróleo, do sistema financeiro e da mídia liberal, que em sua última cartada elegeram o governo fascista de Jair Bolsonaro (PL) para, com o auxílio do ultraliberal ministro da Economia Paulo Guedes, concretizar a entrega da empresa estatal aos trustes internacionais.

Mais uma vez tiveram que desistir diante da vitória de Lula nas eleições de outubro - que venceu ainda uma nova tentativa de golpe planejada por Bolsonaro.

A investida, no entanto, começou em 2016, com a ascensão do governo golpista de Michel Temer (MDB) após a farsa do impeachment contra Dilma Rousseff, como explica Mahatma dos Santos, diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (Ineep), criado pela Federação Única dos Petroleiros (FUP) em 2018.

"A principal expressão da diferença de atuação da Petrobras quando sob gestão dos governos petistas e dos governos de Temer e Bolsonaro está expressa no plano estratégico da empresa. Nas gestões petistas, a empresa tinha um plano de negócios de longo prazo, alinhado ao que estabelece a constituição federal e ao interesse nacional, isto é, preocupado com segurança energética; desenvolvimento industrial; investimentos robustos na área operacional e em pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica; ampliar a participação da companhia no setor energético nacional e disputa no mercado global; e preocupada com a geração de emprego e renda", explica Santos.

"Já nos últimos anos, após a 'virada corporativa' capitaneada por Pedro Parente em 2016, a Petrobras colocou os acionistas minoritários e seus interesses de curto prazo à frente de um projeto de desenvolvimento nacional. Ou seja, levou a cabo uma acelerada política de vendas de ativos, uma redução sistemática de investimentos e uma política de preços de paridade de importação. Estas ações combinadas permitiram distribuição recorde de dividendos e redução do endividamento da companhia, mas resultaram na fragilização operacional e financeira da companhia no longo prazo. O desafio atual da nova gestão é recuperar a capacidade produtiva e de investimentos da companhia, além de alinhá-la a uma agenda soberana de desenvolvimento industrial e a transição justa em âmbito internacional", emenda o diretor do Ineep, em entrevista à Fórum.

Desmonte

Um dos maiores desafios do governo Lula é recuperar a Petrobrás do desmonte realizado por Temer e Bolsonaro com a venda da BR Distribuidora, empresa de logística que pertencia à estatal, e de usinas para refino do petróleo.

Além disso, o lawfare conduzido pela Lava jato contra Lula alegando a "corrupção na Petrobrás" - artifício usado como motivo para a venda da empresa - provocou um desmonte na cadeia de suprimentos e de engenharia naval, que resultou no fechamento de cerca de 1 milhão de postos de trabalho no País e em perdas que totalizam cerca de R$ 142 bilhões, que resultou na queda do 2% em 2015 e 2,5% em 2016 do Produto Interno Bruto (PIB), segundo a Federação Única dos Petroleiros (FUP).

Em entrevista ao Roda Viva, na TV Cultura, nesta segunda-feira (2), o presidente da Petrobrás, Jean Paul Prates, falou do processo de vendas das refinarias, que provocou uma desintegração na estrutura de fornecimento da Petrobras. 

"Isso é ser capitalista com o chapéu alheio. O cara vem e diz 'eu vou comprar uma refinaria da Petrobras', que estava funcionando direitinho de forma integrada com as outras, cada uma cobrindo sua área de influência - como elas foram construídas para ser, elas não foram construídas para competir. A refinaria de Canoas, no Rio Grande do Sul, não foi feita para competir com a refinaria da Bahia. Elas foram feitas para cobrir, como guarda-chuvas, áreas do território nacional. Se você vendeu aquilo, tirou a engrenagem Bahia ali do meio, desestruturou esse processo e essa pessoa ficou com uma refinaria para ela. Onde ela compra óleo e o que faz para administrar é um problema dela, do capital e dos investidores dele. A Petrobrás é uma empresa integrada vê vantagem em ter refinaria para comprar óleo dela e faz o preço dela, para faturar na ponta, que antes era o posto de gasolina da BR", explicou.

Bombardeado por perguntas de representantes da mídia neoliberal, Jean Paul classificou como "experiência nefasta" a política de paridade de preços internacional, a chamada PPI, e a gestão da Petrobras após o golpe contra Dilma Rousseff.

“É o equivalente a aplicar na bomba no Brasil, ou na porta da refinaria, o preço lá de Roterdã, ou de uma refinaria alemã, mais o frete para trazer para cá, como se nós importássemos tudo, sem, absolutamente, estarmos nessa condição, porque nós produzimos 100% do petróleo de que precisamos e 75%/80%, dependendo do produto, de capacidade de refino”, afirmou. “Aquilo era irreal. Era aplicar o preço do pior concorrente do mercado e garantir a ele a suas ineficiências”. 

Transição energética

Após resgatar da sanha privatista das gestões neoliberais, o maior desafio do governo Lula é preparar a Petrobras para um futuro em que a companhia continua sendo "nossa" e seja propulsora das iniciativas para uma urgente transição energética - que casa com a agenda internacional do presidente em defesa do meio ambiente.

"Além de manter seu protagonismo na segurança energética nacional, a Petrobrás possui grande potencial de atuar de forma estratégica no futuro cenário energético global, contribuindo significativamente para a realização de uma transição energética justa e para o desenvolvimento de inovações em soluções de baixo carbono, alinhada com os compromissos climáticos internacionais e às necessidades do desenvolvimento nacional", afirma Maria Clara Arouca, pesquisadora na área de transição energética e sustentabilidade do Ineep.

Segundo ela, é fundamental que a Petrobras retome e intensifique os seus investimentos não apenas na descarbonização das suas operações, mas também na geração de energia limpa com o intuito de se inserir de forma efetiva na agenda da transição energética mundial.

"É essencial seguir a tendência das outras grandes empresas do mesmo ramo, ou seja, diversificar o seu portfólio a fim de se tornar uma empresa integrada de energia, ampliando sua atuação nos segmentos de energia eólica, especialmente a offshore, energia solar e também no setor de biocombustíveis", diz.

Para Tadeu Porto, diretor do SindipetroNF, a Petrobrás é um exemplo de como brasileiros e brasileiras conseguem trabalhar com excelência e não deixam a desejar a nenhuma nação do mundo.

"A Petrobrás é o Brasil no mundo e agora precisa assumir a responsabilidade de uma transição energética justa e ser vanguarda no processo da energia limpa e verde", diz Porto.

Tudo isso, é claro, sem deixar de aprender com a luta histórica para ecoar, até os dias atuais, a frase dita por Getúlio Vargas, para que o petróleo e a Petrobrás continuem a ser nossos.