Após 42 anos de luta por Justiça, os indígenas Avá-Guarani do oeste do Paraná serão reparados pela tomada de suas terras pela empresa Itaipu Binacional para a construção de uma usina hidrelétrica durante a ditadura militar. Nesta quinta-feira (27), um acordo de conciliação foi assinado pela empresa para a destinação de R$ 240 milhões voltadas à compra de 3 mil hectares de terras para os indígenas.
Apesar de relatarem "alívio" com a assinatura do acordo, os indígenas apontam que a solução ainda não é suficiente para atender todas as demandas urgentes das comunidades que são alvos constantes de ataques violentos aos seus territórios.
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Os indígenas argumentam que desde o início das tratativas, que acontecem na Câmara de Conciliação Federal por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Cível Originária 3.555, eles reforçam que somente a devolução integral das terras tradicionalmente ocupadas encerraria a questão. O acordo firmado nesta quinta, portanto, "deixa em aberto a dívida que Itaipu Binacional e o Estado brasileiro, a Funai, o Incra e a União" têm com o povo Avá-Guarani, defendem os indígenas.
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Em carta pública, as comunidades afirmam que assinam o acordo com um misto de "alívio e decepção". Alvos de violências brutais durante todo o ano passado e início deste ano, como relatou a Fórum em diferentes matérias, a destinação de terras aos indígenas é uma esperança para que eles, finalmente, consigam viver sem o medo diário de serem alvos de ataques a tiros. Por outro lado, os indígenas relatam decepção porque, desde o início do acordo com a Itaipu, ouviam que a empresa estava pronta para reconhecer a "dívida histórica" com o povo Avá-Guarani. "Mas apenas uma migalha nos foi oferecida", dizem. "Uma migalha que para quem tem, literalmente, uma arma apontada para a cabeça, fica impossível dizer não", desabafam.
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Os indígenas destacam que somente 3 mil hectares de terras não é suficiente para oferecer uma vida digna às comunidades das Terras Indígenas Tekoha Guasu Guavirá e do Tekoha Guasu Ocoy Jacutinga, uma população de mais de 5.000 mil pessoas. "Obviamente 1.500 hectares para cada Terra Indígena não possibilita que finalmente possamos viver o nhandereko, nosso modo de vida. Precisamos de espaço para plantar, não queremos viver amontoados como em bairros da cidade e queremos recuperar a mata da região, tão destruída pelo agronegócio e pela própria construção da UHE Itaipu", declaram.
As comunidades acrescentam que a construção da UHE Itaipu foi decisiva para a expulsão das famílias que restavam na beira do Paraná. "Itaipu mentiu para nossos parentes, queimou nossas casas e nos tirou das áreas que seriam alagadas. A Funai e o Incra, comandadas pela Ditadura Militar, agiram para que nosso povo fosse apagado e obrigado a sair sem nenhum direito. Famílias tiveram que se espalhar, indo viver no Mato Grosso do Sul, no Paraguai ou nas reservas do interior do Paraná. Muitos parentes próximos nunca mais voltaram a se ver após o alagamento".
Nesse sentido, o povo Avá-Guarani afirma que continuará lutando e exigindo de Itaipu e do Estado brasileiro a devida reparação histórica, "que só vira com a devida demarcação de territórios que nos garantam um futuro como povos indígenas no Brasil", argumentam.
Os indígenas acrescentam que apesar do presidente Lula (PT), da ministra Sonia Guajajara e do diretor da Itaipu Enio Verri "terem declarado publicamente que Itaipu e o governo reconhecem a dívida histórica com o povo Ava Guarani, na prática se repetem os erros do passado". "Regularizar áreas pequenas nos faz lembrar das reservas indígenas que já nos causaram muito sofrimento, com famílias amontoadas sem espaço e obrigadas a conviver com outros povos", afirmam.
Os indígenas finalizam a carta afirmando que sabem que não voltarão a ocupar "livremente" seu território. "As matas foram derrubadas, hoje predominam as monoculturas de soja. Mas queremos de volta pelo menos uma terra que nos garanta um futuro. Onde nossas crianças possam aprender a viver respeitando a mata e todos os seres que nela habitam. Onde possamos cultivar alimentos saudáveis, sem depender de cestas básicas. Ter água boa para beber, sem o veneno das lavouras. E principalmente, onde exista paz para nossas famílias", pedem.
"É muito pouco o que pedimos perto do que nos causaram e perto do poder econômico, financeiro e político de Itaipu e do Estado brasileiro. Sabemos que Itaipu destinou recursos abundantes para diversos projetos em conjunto com este Governo Federal, mas ao povo Avá Guarani, com quem têm uma dívida de 50 anos, nos foi oferecida essa migalha que nos vemos obrigados a aceitar", completam os indígenas.
Pedido público de desculpas
Além da compra de terras para serem destinadas ao indígenas, tanto a Itaipu quanto o Estado brasileiro por meio da União, Funai e Incra terão que elaborar um pedido público de desculpas aos Avá-Guarani pelos danos causados na construção da usina, reconhecendo as responsabilidades da empresa. O pedido deverá ser publicado na internet, nos sites das instituições, e em jornais de circulação local e nacional.
Os ataques aos indígenas Avá-Guarani
Os indígenas Avá-Guarani se localizam na Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, que abrange os municípios de Guaíra e Terra Roxa, e são alvos de ataques desde 2023, quando iniciaram ações de retomada na região ocupada por fazendeiros, e que passa pelo processo de regularização fundiária. As ações violentas contra a comunidade também marcaram o ano de 2024, quando os indígenas foram alvos, além de tiros com armas de fogo, de caminhões, tratores, despejo de agrotóxicos e violência física.
Os ataques que se intensificaram no começo de janeiro eram realizados por pistoleiros encapuzados que cercam a região e fazem ameaças constantes antes de atacarem a comunidade com armas, bombas e incêndios. Além da ameaça de fazendeiros, organizações indígenas, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), apontam que a crescente presença de imobiliárias na região, que têm interesse nas terras indígenas, também se tornaram uma ameaça às comunidades.
Com esse aumento da violência, os indígenas vivem em estado de alerta durante todo o dia, e crianças não conseguem mais dormir com medo de ataques realizados à noite, como conta à Fórum uma das lideranças da comunidade, que terá sua identidade preservada.
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