VIOLÊNCIA POLICIAL

Violações de direitos, agressões e invasões: relatos de moradores da Maré sob 37ª operação no ano

Apenas nos últimos dias, 14 operações policiais foram realizadas no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro

Operação no Complexo da Maré em 2017.Créditos: Tomaz Silva/Agência Brasil
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Há mais de duas semanas, os moradores do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, vivem sob operações policiais violentas. Ao todo, foram 14 nos últimos dias e 37 durante todo o ano de 2024. 

A primeira operação ocorreu no dia 19 de agosto em decorrência da demolição de um condomínio ilegal, onde 32 dos 41 prédios com mais de 160 apartamentos foram destruídos. O motivo era a suspeita de que ele fosse usado por organizações criminosas para lavagem de dinheiro

Os moradores da Maré, porém, relatam uma série de violações de direitos, agressões, roubo, invasões a domicílios e outras violências dos policiais que realizam as operações no Complexo. Os relatos não são inéditos, uma vez que se repetem a cada nova operação das 37 que já foram realizadas no local somente este ano. 

Além da destruição de casas e lojas dos moradores que ocupavam os prédios demolidos e que afirmam não terem garantias de reassentamento, os mareenses sofrem com as abordagens violentas. Os relatos são enviados ao Maré de Notícias, jornal local do Complexo, e à Redes da Maré, organização que atua pela garantia de direitos dos moradores. 

Durante a 24ª operação policial, uma manifestação foi realizada pelos mareenses que denunciavam violações de direitos e pediam paz no Complexo. O protesto foi reprimido com mais violência, e pelo menos uma moradora foi ferida com tiros de bala borracha. Um outro jovem chegou a gravar o momento em que foi impedido de entrar na própria casa e o policial o ameaçou: “Enquanto estiver falando longe de mim, pode continuar. Se você passar daqui [dessa linha] você vai ter o resultado que você quer”.

Em outro relato, a moradora Edna Alves, de 42 anos, proprietária de um salão no local, contou que R$ 600 em espécie foram roubados após a operação. “Levaram o dinheiro, pois não tenho como comprovar, já a mercadoria eu teria, pois tenho nota de tudo […] Isso me afetou psicologicamente, desde o ocorrido não consigo dormir. Trabalho na favela há 12 anos e nunca passou pela minha cabeça uma situação assim”, conta.

Uma outra moradora relata ter tido sua barraca de vendas, o principal sustento de sua família, destruída por três policiais durante a operação. “Pela covardia do Estado, minha barraquinha foi destruída por 3 policiais e por isso acabei ficando no prejuízo. O meu ganha pão de cada dia, o meu sonho e infelizmente no momento não estou conseguindo arcar com o prejuízo", disse ao Maré de Notícias.

A mãe de três crianças, entre elas um bebê de um mês, denuncia desde o começo das operações uma série de abusos por parte dos policiais. “Eles não tratam a gente na educação, não deixam nossos direitos básicos. Ontem a delegada falou que ia me levar presa porque eu não queria sair de casa, ela falou que eram maus-tratos às crianças, como assim eu vou tratar mal meus filhos?", contou Greice Kelly dos Santos, de 23 anos.

"A gente tá aqui, minhas filhas sem poder estudar, quatro dias sem ir para a escola.” O irmão dela foi conduzido a delegacia, ele tem apenas 17 anos e estava questionando os policiais o motivo pelo qual não podia entrar em casa. “Não estão deixando a gente falar. Estão levando a gente preso por falar. Estão chamando a gente de traficante e não somos, se fosse criminoso eu não estaria aqui falando!” finaliza a moradora.

Em outros relatos enviados ao Maré Vive, mídia colaborativa do Complexo, um morador mostra a destruição de seu carro pelos agentes; outra moradora relata invasão em sua casa e ameaça de ser levada para a delegacia, além de agressões e torturas. 

O impacto na saúde dos moradores

Durante as operações, escolas, hospitais e outros estabelecimentos são impedidos de funcionar. Isso gera impacto na educação e na saúde de crianças e idosos da Maré. Com as operações das últimas semanas, Tânia Maria da Silva, 56 anos, que sofre com hipertensão, relatou dificuldade para manter seu acompanhamento médico.

Já marquei três vezes consulta para tratamento de hipertensão e não consegui em função das operações policiais esse ano. Quando voltar ao atendimento vou remarcar e deve ser lá para outubro. Essas operações atrapalham a nossa vida, os prejudicados são os moradores.

Outro morador relata cansaço, principalmente psicológico, com a violência que se estende há duas semanas. “[…]É covardia em tudo quanto é lugar na Maré, de ponta a ponta, pô. Não tem essa de que é morador do lado a, lado b ou c. Não, pô! É covardia com nós tudo, nós somos um só, nós somos a Maré, mano. Passei [quase] 15 dias de covardia aqui, pô. Todo dia, todo dia aqui”, disse. 

Escolas fechadas e insegurança alimentar

Nesta terça-feira (3), foram contabilizadas 43 escolas fechadas, impedindo que mais de 8 mil alunos pudessem comparecer às aulas. Além dos impactos negativos no aprendizado, o fechamento das escolas também representa fome para crianças e adolescentes.

Muitas vezes, as refeições oferecidas nas escolas são as únicas a que os alunos têm acesso durante o dia. Janete, que é mãe e avó, fez um apelo para que as operações cheguem ao fim e as escolas possam retornar, pois é justamente onde seus filhos e netos garantem pelo menos uma refeição no dia.

"As crianças estão passando constrangimento por falta de alimento […] tá sendo muito difícil, não tá tendo nem mais o que comer. A gente [que é] mãe fica desesperada porque o alimento é pouco para família que é grande. Eu crio três filhos e quatro netos", disse ela ao Maré de Notícias. 

*Com informações de Maré de Notícias e Redes da Maré