CONFRARIA DO DIREITO MILITAR

Advogados denunciam Marinha por violações sistemáticas: “Estamos sendo desrespeitados"

Grupo de advogados se mobiliza contra restrições da Marinha, que incluem apreensão de aparelhos eletrônicos e impedimento de gravações de audiências, enquanto um projeto de lei avança para regulamentar o tema.

Cena de vídeo institucional da Marinha com provocações e ameaças, que gerou revolta nas redes.Créditos: Reprodução de vídeo / Rede X
Escrito en DIREITOS el

Advogados especializados em Direito Militar intensificaram uma mobilização contra práticas da Marinha do Brasil que, segundo denúncias, violam sistematicamente as prerrogativas da advocacia. As queixas apontam para o recolhimento obrigatório de aparelhos eletrônicos, como celulares, tablets e notebooks, impedindo a gravação de audiências públicas e outros atos administrativos nas Organizações Militares (OM). O grupo de advogados, que integra a Confraria do Direito Militar, já apresentou representações ao Conselho Federal da OAB solicitando mudanças urgentes nas normas da Marinha e destacando as dificuldades enfrentadas para exercer a profissão de forma plena e digna.

Entre os advogados que integram a Confraria do Direito Militar e assinam as representações estão Adriano Carvalho da Rocha, Bianca Figueira Santos, Edson Barbosa de Souza, Ester D’Arc Silveira, Reginaldo Inácio Ferreira, Rejane Vieira dos Santos, Deiwison Sousa Machado, Erick Pereira Nascimento, Fabio Sander Rocha de Sousa, Geraldo Kautzner Marques, Leonardo Barbosa Camanho da Silveira, Marcio de Souza e Silva Castro, e Willian Otero da Presa Machado. Esses profissionais relatam experiências de abuso e intimidação que dificultam o exercício de suas funções.

A Confraria do Direito Militar e os abusos denunciados

A Confraria do Direito Militar foi criada em resposta a uma série de violações cometidas contra advogados, principalmente no âmbito da Marinha. O grupo, inicialmente formado no Rio de Janeiro, conta com a participação de profissionais de diversas partes do país. A iniciativa surgiu após advogados enfrentarem restrições arbitrárias ao tentarem atuar em defesa de seus clientes nas OM, o que incluiu episódios como o recolhimento de celulares, proibição de gravações e até mesmo intimidações físicas.

“Nos obrigam a deixar nossos celulares em escaninhos na entrada das unidades militares, o que nos impede de registrar abusos. Sem esses registros, ficamos vulneráveis e expostos. Não estamos ali para fotografar sem propósito, mas para garantir que nossos clientes tenham seus direitos respeitados,” explica Bianca, reforçando que esses dispositivos são instrumentos essenciais para o trabalho da advocacia.

Um dos casos mais emblemáticos ocorreu com o advogado Adriano Rocha, que gravou suas diligências no Centro de Instrução Almirante Graça Aranha (CIAGA) e na Diretoria de Pessoal da Marinha (DPM). Em uma dessas ocasiões, Rocha foi pressionado por uma oficial superior a parar de gravar, com a justificativa de que estava em uma área militar. No DPM, ele enfrentou uma tentativa de intimidação ainda mais grave: a convocação de quatro fuzileiros para obrigá-lo a entregar seu celular. Adriano se recusou, argumentando que a norma da Marinha violava diretamente as prerrogativas da advocacia e o direito à transparência dos atos públicos.

Gravação de audiências: um direito ameaçado

A proibição de gravações em audiências administrativas e disciplinares é uma das principais críticas dos advogados. Essas audiências, embora ocorram em ambientes militares, são consideradas atos públicos, devendo, portanto, respeitar os princípios constitucionais de publicidade, transparência e legalidade.

A advogada Bianca Figueira relatou um episódio em que foi silenciada por um comandante enquanto tentava levantar uma questão de ordem em uma audiência disciplinar. “Ele fez um gesto com a mão, mandando que eu me calasse. Questionei que, como advogada, tinha direito de apresentar minha questão e que ele deveria parar o ato para avaliar minha intervenção. Isso não aconteceu. Esses abusos demonstram o completo desprezo pelas regras do devido processo legal,” afirmou Bianca.

Além disso, o Código de Processo Civil, em seu artigo 367, §5º, permite a gravação de audiências judiciais sem necessidade de autorização prévia. Os advogados defendem que a mesma regra seja aplicada a audiências administrativas militares, já que essas gravações são essenciais para resguardar o direito das partes envolvidas.

O Projeto de Lei 685/2024 e a regulamentação do tema

As restrições enfrentadas pelos advogados têm impulsionado debates no Congresso Nacional. O Projeto de Lei 685/2024, atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, busca regulamentar o direito de gravação de atos processuais e administrativos, independente de autorização prévia. O texto classifica como crime impedir a gravação, com penas que podem chegar a três anos de reclusão.

Segundo o deputado Cabo Gilberto Silva, autor do projeto, a proposta reforça a transparência e o controle social sobre os atos processuais, garantindo maior segurança jurídica às partes envolvidas. “As partes e seus advogados têm o direito de produzir provas em seu favor, e a gravação de audiências é um instrumento para preservar os depoimentos e declarações,” declarou o parlamentar em defesa do projeto. A iniciativa também busca evitar abusos de autoridade e reforçar a confiança na Justiça?.

Próximos passos e expectativas

O grupo de advogados espera que a tramitação do PL 685/2024 avance e que o Conselho Federal da OAB pressione a Marinha para alterar suas normas internas. As representações protocoladas pedem, entre outros pontos, o fim do recolhimento de aparelhos eletrônicos de advogados em exercício funcional e a garantia de gravação de todos os atos públicos, conforme previsto na legislação.

“Não estamos pedindo privilégios, mas o cumprimento da lei. Esses abusos têm que acabar. A advocacia é essencial para a administração da Justiça, mas estamos sendo tratados como inimigos dentro das Organizações Militares,” concluiu Bianca.

Reporte Error
Comunicar erro Encontrou um erro na matéria? Ajude-nos a melhorar