DEMOCRACIA

Constituição - 35 anos: O avanço dos direitos de minorias sociais ao longo dos anos

Marco da redemocratização no país, o documento precisou se expandir para englobar grupos colocados à margem das políticas públicas

Constituição Federal completa 35 anos.Créditos: Joédson Alves/Agência Brasil
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Constituição Federal comemora, nesta quinta-feira (5), 35 anos. Chamada de “Constituição Cidadã”, o documento, promulgado em 1988, foi um marco histórico na redemocratização do país, após 21 anos de Ditadura Militar. Representou o primeiro avanço de grupos socialmente minoritários no âmbito institucional. Porém, alguns tópicos foram deixados de fora e, ao longo dos anos, foi preciso muita organização popular para ampliar os direitos das mulheres, população negra, comunidade LGBT+ e outros grupos. 

População negra

A Câmara dos Deputados de 1988 contava com apenas 11 parlamentares negros entre 559, de acordo com a pesquisa Criminalização do Racismo: entre política de reconhecimento e meio de legitimação do controle social dos não reconhecidos, de  Thula Pires. 

Ainda assim, a bancada anti-racista e seus aliados conseguiram aprovar a proposta que tornava o ato de racismo um crime, com pena de prisão, inafiançável e imprescritível.

No entanto, ainda era preciso avançar para garantir maior proteção legal para a comunidade negra. 

Em 1989, o deputado Luiz Alberto Caó apresentou uma proposta onde deixava os crimes de racismo ficavam mais explícitos. A lei foi aprovada pelo Congresso e ficou conhecida como Lei Caó.

A Lei Caó também definiu como crime o ato de, por motivo de raça/cor, recusar ou impedir acesso de pessoas a estabelecimento comercial, negando-se a servir, atender ou receber cliente ou comprador.

Já em 1990 o Congresso aprovou a Lei 8.801/90 que explicita os crimes praticados pelos meios de comunicação ou por publicação de qualquer natureza e as penas aplicáveis aos atos discriminatórios ou de preconceito de raça, cor, religião, etnia ou procedência nacional.

Para atualizar a Lei Caó, em 1997 o Congresso aprovou a Lei 9.459/97. A norma estabelece pena de um a três anos e multa para os crimes de praticar, induzir, ou incitar o preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. A pena é a mesma se qualquer desses crimes é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza.

Em janeiro deste ano, mais um avanço: A Lei do Crime Racial, em 1988, foi editada  para equiparar a injúria racial ao crime de racismo. Com isso, a pena tornou-se mais severa, com reclusão de dois a cinco anos e sem direito à fiança.

Mulheres

A Constituição de 1988 foi um marco para a conquista de direitos das mulheres ao ser a primeira a estabelecer judicialmente que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”.

As conquistas estabelecidas foram resultado do trabalho de 26 mulheres eleitas em 1986 para a Assembleia Nacional Constituinte. A “Bancada do Batom”, como o grupo ficou conhecido, realizou mobilizações e pressões ao longo do processo constituinte. 

As parlamentares chegaram a enviar a “Carta da Mulher Brasileira aos Constituintes”, entregue a Ulysses Guimarães presidente da Assembleia Nacional. Cerca de 80% das propostas foram incorporadas ao texto constitucional, assegurando direitos como: 

  • Licença-maternidade de 120 dias;
  • Proteção do mercado de trabalho com incentivos específicos;
  • Proibição de diferença salarial, de exercício de funções e de critério de admissão.

A Constituição também definiu que era dever do Estado coibir a violência intrafamiliar, o que forneceu base para a criação da Lei Maria da Penha em 2006. 

Outras medidas também foram incorporadas à Constituição para assegurar os direitos e a vida da mulher, como: 

  • O tempo menor de contribuição das mulheres não pode ser usado para diminuir a concessão do benefício em planos de complementação de aposentadoria;
  • Em 2012, o STF concedeu à gestante o direito de interromper a gravidez em caso de anencefalia do feto;
  • Em março de 2021, foi proibido o uso da tese de legítima defesa da honra para atenuar crimes de feminicídio;
  • Em 2022, o STF permitiu, em casos excepcionais, que a autoridade policial determine o afastamento imediato do suposto agressor do domicílio ou do lugar de convivência com a vítima, mesmo sem autorização judicial prévia;
  • Também em 2022, o Poder Público decidiu que é obrigação do Estado garantir a matrícula em creche e pré-escola de crianças de até cinco anos de idade.

Hoje, mais um direito é debatido pelo Supremo Tribunal Federal, sobre o poder de decidir realizar o aborto até 12 semanas de gestação.

LGBT+

Apesar de garantir que toda pessoa humana, sem exceção, deveria ter condições de ter uma vida digna e que o Estado deveria punir qualquer discriminação que ofendesse a liberdade e os direitos fundamentais do ser humano, a Constituição de 1988 nem chegou a fazer menção à comunidade LGBT+

Por isso, foi preciso muita luta nos últimos anos para conquistar direitos como: 

  • Em 2011, se estabeleceu a Política Nacional de Saúde Integral LGBT com o objetivo de promover a saúde dessa população, instituindo mecanismos de gestão para atingir maior equidade no SUS;
  • Ainda neste ano, o STF passou a reconhecer, por unanimidade, união estável entre casais do mesmo sexo como entidade familiar;
  • Em 2013, o Conselho Nacional de Justiça determinou proibição às autoridades competentes de recusarem habilitar ou celebrar o casamento civil entre pessoas do mesmo gênero;
  • No ano de 2018, o STF reconheceu o direito à alteração de nome e gênero no registro civil sem necessidade de provimento cirúrgico para redesignicação de sexo e de ação judicial;
  • Em  2019, o STF decretou a possibilidade de atos homofóbicos e transfóbicos serem punidos como racismo, com base na Lei nº 7.716/1989, até que haja uma lei específica que trate sobre a homofobia e transfobia;
  • No ano de 2020, o STF reconheceu que homens bissexuais e homossexuais podem doar sangue a terceiros no Brasil.

Mesmo assegurado pela Constituição, o casamento LGBT corre o risco de ser proibido após ataques da extrema direita. O processo corre na Câmara dos Deputados

Manifestações

Nas redes sociais, ministros do governo Lula e do Supremo Tribunal Federal (STF) se manifestaram em homenagem à Constituição Federal, que assegura o direito de todos e a democracia no país. 

O ministro Alexandre de Moraes, do STF, postou que “durante esses 35 anos, tivemos problemas e crises, mas a força de nossa Constituição garantiu as soluções, fortaleceu as instituições e solidificou nossos Direitos Fundamentais".

Luís Roberto Barroso, também do Supremo, destacou que o momento é de celebrar conquistas, que há “muito a comemorar”, mas também “muito por fazer”. O ministro também afirmou que “o futuro atrasou, mas ainda está no horizonte”

A ministra Rosa Weber, antes de se aposentar do STF, no final de setembro, declarou que “a Constituição de 1988 é fruto da redemocratização e da instituição da ordem democrática do país”.