TRABALHO ESCRAVO

Igreja ou senzala? Pastor obrigava dependentes químicos a darem ‘dízimo de 50%’ em Reabilitação

Jackson de Sobral Almeida, pastor e chefe da Igreja Alcance da Vitória, foi autuado por promover trabalho análogo à escravidão; Caso ocorreu na conflagrada zona oeste do Rio de Janeiro

Local onde as vítimas dormiam.Créditos: Reprodução
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A região de Paciência, na zona oeste do Rio de Janeiro, epicentro dos últimos acontecimentos envolvendo o Bonde do Zinho, principal milícia da cidade, também é palco de outros episódios que expressam a barbárie da qual sua população está sujeita. Foi lá que 7 dependentes químicos foram resgatados no último mês de agosto de uma Casa de Reabilitação administrada pela igreja evangélica Alcance da Vitória, vítimas de trabalho análogo à escravidão.

Segundo informações divulgadas pela Superintendência do Trabalho, Polícia Federal e Ministério Público do Trabalho, os “internos” trabalhavam para a instituição fora das suas dependências e eram forçados a devolverem para o pastor Jackson Sobral Almeida, o chefe da igreja, mais da metade dos rendimentos.

A fiscalização afirma, em documento emitido pela superitendência, que a prática se assemelha aos “escravos de ganho” dos períodos colonial e imperial brasileiros – quando uma pessoa escravizada trabalhava nas ruas [vendendo mercadorias, prestando pequenos serviços ou mesmo se prostituindo] do Rio de Janeiro e levava os ganhos ao seu “dono-patrão”. No caso dos dependentes químicos de 2023, o ‘dízimo de 50%’ era cobrado sobre serviços prestados a estabelecimentos da região e previamente oferecidos pela instituição.

As vítimas trabalhavam sem quaisquer direitos e, além da metade dos ganhos, também pagavam um dízimo de 10% sobre o que ficava consigo. Um dos resgatados contou aos auditores fiscais que recebia R$ 50 por dia, mas o dinheiro ficava retido e só era liberado em datas específicas, quando era possível comprar itens básicos. Ele lixava treliças (grandes armações de metal), sem qualquer equipamento de segurança e tendo de inalar os gases decorrentes da atividade.

Trabalhava 12 horas diárias e podia parar para almoçar. Mas a Casa de Reabilitação o orientou a dizer para os fiscais que tinha direito a duas horas de almoço e um lanche de 15 minutos. Além disso, tinha de seguir três regras básicas para ser pago: não beber, fumar, usar celular ou brigar; não abandonar a instituição e concordar que os valores seriam administrados pela casa.

Dada a forte atividade miliciana na região, existe a suspeita de que estejam envolvidos no esquema. Milicianos chegaram a ir até o local se informar sobre a fiscalização. A operação contou com apoio da Polícia Federal, o que afastou os criminosos no ato.

O pastor Jackson foi autuado por trabalho análogo à escravidão. Ele assinou um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) em que concordou pagar R$ 17 mil para quitar os valores devidos às vítimas. Também terá de pagar R$ 500 para cada resgatado até julho de 2025. Outras duas empresas, que usufruíram da mão de obra das vítimas, também fizeram um acordo e vão pagar rescisão e FGTS.