Relatório divulgado neste mês de outubro pela Comissão Pastoral da Terra (CPT) aponta que, somente no primeiro semestre de 2023, mais 500 mil pessoas foram alvo de violência no campo em diferentes municípios brasileiros. Os dados fazem parte de estudo realizado pelo Centro de Documentação Dom Tomás Balduíno (Cedoc).
Segundo o levantamento, entre janeiro e junho deste ano, foram registrados 973 conflitos em áreas rurais, envolvendo um total de 101.984 famílias — o que representa um aumento de 8% com relação ao mesmo período em 2022, que contou com 900 casos.
Te podría interesar
Trata-se do segundo período mais violento em 10 anos, atrás apenas do primeiro semestre de 2020, durante o governo Bolsonaro, quando foram registrados 1.007 conflitos.
Já o número de assassinatos no campo caiu pela metade: foram registradas 14 mortes em decorrência de conflitos em áreas rurais, frente a 29 casos registrados no mesmo período em 2022.
Raízes dos conflitos
O relatório da Comissão Pastoral da Terra mostra que a grande maioria dos casos de violência no campo está relacionada aos conflitos pela terra — foram registrados 791 casos.
O segundo motivo mais recorrente para conflitos em áreas rurais são as operações que o governo Lula vem realizando contra o trabalho escravo: foram 102 casos de trabalho análogo à escravidão registrados e 1.408 pessoas submetidas a essas condições degradantes foram resgatadas. Trata-se do maior número de resgates do tipo em 10 anos.
As atividades econômicas que mais tiveram pessoas resgatadas foram o cultivo da cana de açúcar (532) e as lavouras permanentes (331), braços do agronegócio, junto com a mineração (104), desmatamento (63), produção de carvão vegetal (51) e pecuária (46).
Outro motivo que está por trás da violência no campo e que chama a atenção é a disputa pela água. Foram 80 conflitos por este motivo no primeiro semestre de 2023.
Violência contra ocupação e posse de terra, crimes de pistolagem, grilagem e invasão também cresceram: foram registrados 143, 85 e 185 casos, respectivamente.
Os causadores da violência
O relatório da CPT aponta, ainda, que os agentes que mais causaram violência em conflitos no campo no primeiro semestre de 2023 foram os fazendeiros (19,75), governo federal (19,33%), empresários (16,95%), governos estaduais (13,31%) e grileiros (8,54%).
"Além do agronegócio, que gera alta contaminação por agrotóxicos, os empreendimentos de mineração, usinas hidrelétricas e também energias renováveis, como a eólica, são apontados como fatores de conflitos que impedem o bem viver de comunidades tradicionais em todo o país", destaca a CPT no levantamento.
O estudo destaca também que houve aumento nos casos de criminalização de pessoas envolvidas na luta pelos direitos dos camponeses, com 45 casos registrados, e de detenção dessas lideranças (42 casos).
Segundo Ayala Ferreira, coordenadora do setor de Direitos Humanos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), "essa tendência infelizmente tende a se aprofundar pelo comportamento das elites agrárias que têm usado o espaço público para impor seu projeto na sociedade, a exemplo da articulação dos parlamentares ruralistas em instituir a frente parlamentar invasão zero".
"Ali só se utiliza discurso de ódio em defesa intolerante da propriedade privada da terra, desconsiderando dimensões garantidas na Constituição brasileira, da legitimidade da luta camponesa em ter acesso à terra, a reforma agrária e a necessidade de refletirmos sobre a função social e produtiva desses territórios em nosso país", pontua a dirigente.
“Diante desse cenário é importante que se afirme que a única maneira de acabar com as violências - todas as formas de violências - é fortalecermos os espaços de participação social e de atuação dos governos em implementar políticas públicas que garantam o acesso a terra e as condições necessárias de existência digna no campo", diz ainda Ayala Ferreira.
As principais vítimas
Se os fazendeiros, empresários, grileiros e até mesmo governo federal são os maiores causadores de violência no campo, as maiores vítimas desses conflitos são os povos tradicionais e originários.
De acordo com o relatório da CPT, os indígenas e suas comunidades foram as mais atingidas nos casos de conflitos em áreas rurais, representando 38,2% dos casos. Os trabalhadores rurais sem terra vêm na sequência como os maiores alvos de violência, estando presentes em 19,2% dos casos. Fecham a lista os posseiros (14,1%) e quilombolas (12,2%).
Histórico dos casos de conflito no campo - primeiro semestre, ano a ano
- 2014: 642
- 2015: 551
- 2016: 788
- 2017: 765
- 2018: 853
- 2019: 933
- 2020: 1.007
- 2021: 752
- 2022: 900
- 2023: 973