ERA PARA SER UMA VOTAÇÃO HISTÓRICA

Absurdo: Austrália rejeita inclusão de indígenas na Constituição do país

Povos aborígenes não terão seus direitos reconhecidos e são os mais afetados pela desigualdade social

Votação em plebiscito foi realizada no dia 14 de outubro.Créditos: Reprodução/Twitter
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Em um referendo realizado no último sábado (14/10), a população australiana decidiu contra um plano que visava ampliar os direitos e poderes das comunidades indígenas do país.

A proposta de emenda à Constituição, que buscava reconhecer formalmente os cidadãos indígenas e estabelecer um órgão consultivo composto por aborígenes, foi rejeitada em todos os seis estados. Este órgão teria o papel de ser consultado sobre as políticas governamentais relacionadas aos povos indígenas. 

O referendo, conhecido como “Voice”, marcou o primeiro do gênero na Austrália em mais de vinte e cinco anos. Com aproximadamente 70% dos votos já apurados, o “Não” saiu vitorioso com 60%, enquanto o “Sim” conquistou 40%. A decisão veio após uma campanha acirrada, segundo a rede australiana ABC

Os defensores do “Voice” argumentavam que a inclusão dos direitos dos povos indígenas na Constituição promoveria a união na Austrália e marcaria o início de uma nova fase no país australiano.

De acordo com os defensores da proposta, a implementação do “Voice” resultaria em melhores condições de vida para os aborígenes e os habitantes das ilhas do Estreito de Torres. Estes grupos, proporcionalmente, têm uma expectativa de vida mais baixa e resultados de saúde e educação inferiores em comparação com outros australianos.

A proposta do “Voice” previa que o órgão faria representações aos legisladores e autoridades políticas sobre questões pertinentes aos povos aborígenes e das ilhas do Estreito de Torres.

'Referendo alvo de desinformação'

Por outro lado, a oposição argumentava que a proposta causaria divisão na sociedade, criando “classes” especiais de cidadãos. Além disso, acreditavam que o novo órgão consultivo poderia atrasar as decisões governamentais.

Durante a campanha, a oposição ao “Voice” foi criticada por apelar aos eleitores indecisos com uma mensagem de “Não sabe? Vote não”. Também foram acusados de conduzir uma campanha baseada em desinformação sobre os impactos do plano. Warren Mundine, o principal defensor do Não, partilhou da mentira: "este é um plebiscito que nunca deveríamos ter realizado porque foi construído sobre a mentira de que o povo aborígine não tem voz."

A proposta foi revelada após a participação de centenas de aborígenes australianos nos Diálogos de Uluru em 2017, onde emitiram uma declaração solicitando a inclusão de representantes indígenas no parlamento e o reconhecimento na Constituição. O texto do referendo votado pelos australianos está disponível neste link (em inglês).

Indignados, os aborígenes se pronunciaram. "Que pessoas que estão neste continente há apenas 235 anos se recusem a reconhecer aqueles cujo lar esta terra tem sido há 60 mil anos ou mais é algo além da razão", afirmou um dos líderes indígenas. A campanha do Sim disse que o Voice poderia enfrentar "a desigualdade arraigada" que o povo aborígene ainda enfrenta.

Diferentemente de países com histórias parecidas, como Canadá e Nova Zelândia, a Austrália ainda não chegou a um acordo formal ou reconheceu oficialmente seus povos indígenas. Embora constituam 3,8% da população total de 26 milhões do país, eles não são citados na Constituição de 1901

Além disso, são o grupo mais marginalizado do país, de acordo com indicadores socioeconômicos, apresentando taxas elevadas de suicídio, violência doméstica e encarceramento. Sua expectativa de vida é cerca de oito anos inferior à dos australianos não indígenas.

"Está muito claro que a reconciliação está morta", afirmou Marcia Langton, arquiteta do rechaçado órgão consultivo, à NITV. "Penso que serão necessárias pelo menos duas gerações até que os australianos sejam capazes de deixar para trás os seus ódios coloniais e reconhecer que existimos."

O primeiro-ministro da Austrália, Anthony Albanese, era favorável à proposta. “Uma grande nação como a nossa pode e deve fazer melhor pelos primeiros australianos”, declarou em comunicado.

“De maneira alguma estou responsabilizando o povo australiano, mas sim aqueles que enganaram a população”, complementou o aborígene Kaurareg e Kalkalgal, residente das ilhas do Estreito de Torres.

Seguindo o mesmo raciocínio, a Reconciliation Austrália, uma entidade representativa dos indígenas, expressou que a discussão em torno da questão é caracterizada por "atos feios de racismo e desinformação".

País dividiu sede da Copa do Mundo Feminina com a Nova Zelândia e chegou a colocar a população indígena no centro das comemorações, tornando-se uma referência para alguns países, como o Brasil, por exemplo. De acordo com o senador Malarndirri McCarthy, que ocupa o cargo de ministro-assistente dos Indígenas Australianos, “muitas pessoas aspiravam que a Austrália fosse vista de forma diferente nesta votação, e isso será profundamente perdido”.

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