O PDT deu entrada nesta quarta-feira (6) em uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar a constitucionalidade da tese jurídica da “legítima defesa da honra”. No processo, a legenda argumenta que, com base na interpretação de dispositivos do Código Penal e do Código de Processo Penal, Tribunais do Júri têm aplicado a tese e absolvido feminicidas. O partido pede concessão de liminar no caso.
A ação é uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que recebeu o número 779. Ela foi distribuída ao ministro Dias Toffoli e já foi encaminhada à Presidência do Tribunal para apreciação da liminar.
Segundo o PDT, a tese admite que uma pessoa (normalmente um homem) mate outra (normalmente uma mulher), para proteger sua honra, em razão de uma traição em relação afetiva. No entanto, sustenta o partido na peça, qualquer interpretação de dispositivos infraconstitucionais que admita a absolvição de assassinos de mulheres por “legítima defesa da honra” não é compatível com os direitos fundamentais à vida e à não discriminação das mulheres nem com os princípios da dignidade da pessoa humana, da razoabilidade e da proporcionalidade.
O partido assinala que, pelo menos desde 1991, Tribunais de Júri têm absolvido feminicidas com fundamento nessa tese. Isso, em sua visão, resulta em “relevante controvérsia constitucional”. Isso porque Tribunais de Justiça e o Superior Tribunal de Justiça ora anulam sentenças com base no artigo 593, inciso III, “d”, do Código de Processo Penal (CPP), por manifesta contrariedade à prova dos autos, ora mantêm as absolvições com base na soberania do júri.
Para a legenda, a soberania dos veredictos atribuída ao Tribunal do Júri não lhe permite tomar decisões condenatórias ou absolutórias manifestamente contrárias à prova dos autos.
No entender da legenda, a absolvição da pessoa acusada por teses de lesa-humanidade, como no caso, gera a nulidade do veredicto do júri.
O PDT pede que o STF interprete a Constituição de forma a impedir que os tribunais de júri usem a tese da legitima defesa da honra para aplicar a exclusão de ilicitude e a legitima defesa, ambas na legislação penal brasileira, aos crimes de feminicídio.
Caso Ângela Diniz e Doca Street
A tese foi usada em um julgamento famoso no país: o assassinato da socialite Ângela Diniz por seu namorado, Doca Street. Em dezembro de 1976, durante uma discussão do casal, ele a matou com quatro tiros no rosto. No primeiro julgamento do caso, em 1979, defesa de Street alegou que o assassino havia atuado em “legítima defesa da honra”, por supostas traições que teria sofrido por parte da namorada. Os jurados aceitaram a justificativa. Ele recebeu uma sentença branda, de apenas 18 meses de prisão, que foram anulados pelo fato de ele ser réu primário – ou seja, ele saiu do tribunal em liberdade.
O movimento feminista realizou fortes protestos contra a decisão, lançando o slogan “quem ama não mata”, e a reação da opinião pública fez com que, dois anos depois, em 1981, houvesse um segundo julgamento, no qual Street insistiu na tese de “legítima defesa da honra”, mas dessa vez sem tanto sucesso: foi condenado a 15 anos de prisão.