Por Julian Rodrigues*“Que vai de graça pro presídio
E para debaixo do plástico
Que vai de graça pro subemprego
E pros hospitais psiquiátricos”
61.619 pessoas foram assassinadas no Brasil em 2016. Um aumento de quase 5% em relação ao ano anterior, segundo os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A cada hora, sete mortes violentas.
Para efeito de comparação, os EUA, país armado e violento, registrou, em 2016, 17.250 assassinatos.
Os policiais foram responsáveis por pelo menos 4.224 desses assassinatos. Crescimento de 30% em relação a 2015.
Os perfil padrão dos mortos em ocorrências policiais é homem, jovem e negro. 99% são homens, 82% tem entre 12 e 29 anos e 76% são negros, ainda segundo os dados do Fórum.
A cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras, segundo o Atlas da Violência 2017.
O Atlas mostra também que o assassinato de jovens do sexo masculino entre 15 e 29 anos corresponde a 48% do total de óbitos registrados no ano estudado.
Explosão de encarcerados
Os dados estão desatualizados há três anos e a confusão de informações diz muito sobre o caos instalado no sistema prisional.
Segundo as últimas informações, o Brasil tem 622 mil pessoas presas, a quarta maior população carcerária do mundo: atrás apenas dos Estados Unidos (2.217.000), China (1.657.812) e Rússia (644.237).
Cerca de 40% são presos provisórios, que ainda não foram julgados. 33% são jovens entre 18 e 24 anos e 63% são pretos.
Se na população brasileira em geral, cerca de 32% completou o ensino médio, entre os presos esse índice cai para 8%.
Acontece que em 2003 tínhamos cerca de 300 mil presos. Ou seja, dobramos a população encarcerada nos governos Lula-Dilma.
74% das pessoas estão presas por crimes contra o patrimônio e em função da lei de drogas.
Ou seja, há um mecanismo estrutural de encarceramento de pobres, pretos e jovens, uma ação ostensiva das Polícias Militares dirigida à população dos bairros periféricos.
Mudanças estruturais
Sem desconsiderar todos os avanços dos governos democráticos é preciso reconhecer que a questão da violência urbana e da segurança pública não foi enfrentada.
Nossos governos não debateram a reorganização das polícias ou a questão da “guerra às drogas”.
Estamos falando de um tripé perverso: proibicionismo; militarização das polícias; extermínio e encarceramento em massa da juventude preta.
A atual lei de drogas permite que qualquer pessoa seja presa portando pequenas quantidades com base apenas no testemunho do PM. Assim, o Estado transforma os trabalhadores que entregam as drogas em “traficantes perigosos”.
É um sistema perverso, que enriquece os verdadeiros narcotraficantes (banqueiros, empresários, políticos), suborna os agentes policiais e persegue os trabalhadores que atuam na ponta.
Um governo de esquerda deve enfrentar o debate sobre uma nova política de drogas: regulação, legalização, estatização, redução de danos.
Parar a matança passa também por reorganizar as polícias. Desmilitarizar as PMs, em diálogo com os soldados, que sofrem a opressão cotidiana dos oficiais. Fazer uma polícia inteligente, democrática, bem paga, bem formada, valorizada.
Por último, é preciso enfrentar toda legislação orquestrada sob a égide do “populismo penal”. De imediato, libertar os presos provisórios. Rever os critérios, realizar o encarceramento apenas dos criminosos violentos, impulsionar as penas alternativas e todas medidas cautelares distintas da prisão.
Nenhum programa político-partidário que se coloque no campo da esquerda pode deixar de tratar essas questões com centralidade.
*Julian Rodrigues é da coordenação nacional do MNDH (Movimento Nacional de Direitos Humanos)
Foto: Marcello Casal Jr/ABr