Sem dúvida, a prioridade é socorrer as vítimas da tragédia no sul, mas também é fundamental refletir sobre como chegamos a esse ponto de desequilíbrio ambiental no Brasil e tomar providências para minimizar os efeitos da emergência climática, evitando novas tragédias.
Apontar os desmatadores como os grandes vilões é o caminho óbvio, porém, eles não estão sozinhos. Há muitos outros atores envolvidos no processo de destruição ambiental, desonestamente apontado como o caminho para o desenvolvimento.
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O Brasil vive uma situação anacrônica. Enquanto o governo federal faz esforços para retomar a agenda ambiental, a pauta ESG avança no setor produtivo e o país se prepara para sediar a Conferência do Clima (COP-30), em 2025, o Congresso Nacional se dedica a atacar o arcabouço legal que protege o meio ambiente, com o apoio de prefeitos e governadores contrários às políticas ambientais.
Ameaças ao meio ambiente
Eduardo Leite (PSDB), negacionista climático e governador do Rio Grande Sul, é um deles. Desde o início de seu mandato, alterou cerca de 480 normas do Código Ambiental do Rio Grande do Sul, causando um afrouxamento das leis de proteção ambiental. Para efetivar as mudanças, Leite teve o apoio da base governista na Assembleia Legislativa, maioria na Casa.
Desde março, a MetSul Meteorologia avisava que chuvas torrenciais cairiam sobre o RS em maio. Mesmo após as enchentes de 2023, Eduardo Leite não implementou ações preventivas e não elaborou um plano de emergência estadual, medidas que não poderiam evitar, mas teriam minimizado as consequências do evento climático extremo que deixou mais de 400 mil pessoas desabrigadas ou desalojadas, segundo a Defesa Civil do estado.
No Congresso Nacional, o “pacote da destruição” é composto por 25 projetos de lei e três emendas constitucionais. Entre outros absurdos, a bancada ruralista pretende retirar R$ 1 bilhão dos órgãos ambientais, reduzir a proteção da Amazônia e de todos os biomas, anistiar desmatadores e flexibilizar as regras do licenciamento ambiental. Se aprovadas, as mudanças representam um enorme retrocesso e uma grave ameaça para o meio ambiente a curto prazo.
No Judiciário, a situação também é preocupante. Um exemplo recente e emblemático é o do fazendeiro que destruiu 81 mil hectares do Pantanal, contaminando a vegetação, fauna, solo e água da região. Por duas vezes, a justiça do Mato Grosso rejeitou o pedido de prisão do ruralista, apesar de ele ser réu em outros dois processos por crimes ambientais.
O tal fazendeiro, assim como muitos outros criminosos ambientais, acredita que não será punido pelos crimes que segue cometendo livremente. Ele acumula 15 autuações por danos ambientais no Pantanal e multas (não pagas) de mais de R$ 5 bilhões, segundo o MP/MT. A impunidade é o combustível que move a máquina do crime.
Bancos públicos e privados também colaboram com os crimes ambientais quando concedem crédito sem observar critérios socioambientais. Estudo recente do Greenpeace aponta que 798 imóveis rurais embargados pelo Ibama por causa de crimes ambientais receberam financiamentos bancários entre 2018 e 2022. As instituições financeiras que operam na Amazônia Legal concederam quase R$ 76 bilhões em crédito rural, somente em 2022.
Os crimes ambientais são crimes permanentes, de acordo com o Superior Tribunal de Justiça (STJ). Não deveriam ser encarados com leniência ou como crimes de menor gravidade. No entanto, a legislação atual prevê apenas multa e detenção em regime aberto ou semiaberto.
Alternativas inovadoras
Soluções sustentáveis para a agricultura, indústria e demais atividades econômicas existem há anos e podem ser adaptadas e replicadas, desde que haja interesse por parte das empresas. Em todo o mundo, diversos casos de sucesso demonstram a viabilidade de gerar empregos, riquezas e desenvolvimento sem abrir mão da conservação do meio ambiente.
Economia circular, descarbonização da economia e bioeconomia são algumas práticas sustentáveis que viabilizam atividades permanentes, as verdadeiras fontes geradoras de desenvolvimento. As práticas predatórias geram lucro imediato para alguns poucos, não promovem o desenvolvimento e deixam um passivo socioambiental imenso, quase sempre irreparável para toda a sociedade.
A recuperação de áreas degradadas também é importante para reduzir a emissão de gases do efeito estufa (GEE). Atualmente, em todo o Brasil, há cerca de 109 milhões de hectares de pastagens – área maior do que o estado do Mato Grosso – com alguma degradação, segundo mapeamento da Universidade Federal de Goiás (UFG). Deste total, 26,7 milhões de hectares se encontram na Amazônia. Estas terras foram desmatadas para dar lugar a atividades agropecuárias, exploradas até se tornaram improdutivas e foram abandonadas.
Desinteresse social
Voltando aos responsáveis pelo agravamento da emergência climática global, além do poder público, empresas e instituições, é importante mencionar a parcela de responsabilidade dos cidadãos comuns. 61% acreditam que o aquecimento global precisa ser “combatido urgentemente” (Fonte: CNI/2023) e 23% dos entrevistados acreditam que preservar áreas verdes e regenerar áreas degradadas é a iniciativa mais efetiva para proteger o meio ambiente (Fonte: Quaest/2024)
A mesma pesquisa aponta que somente 33% dão preferência a produtos sustentáveis e ecológicos e apenas 13% atuam como voluntários em alguma ação de proteção ao meio ambiente. Cidadãos pouco engajados com as pautas ambientais elegem representantes igualmente descompromissados com o meio ambiente e não cobram que as empresas sejam mais ambientalmente responsáveis. 37% das indústrias brasileiras não investem em sustentabilidade porque não é uma exigência dos consumidores (Fonte: CNI/2023).
Este é um dos motivos para a agenda ESG ainda ser superficial e sem consistência no Brasil, comprometendo a competitividade do país no mercado global. Muito marketing e pouca ação efetiva para implementar o essencial em práticas ambientais, sociais e de governança.
Fast fashion
Um exemplo dos hábitos não sustentáveis dos brasileiros: 72% dos consumidores são adeptos do consumo impulsivo na Shein, Shopee e Aliexpress (Fonte: NIQ Ebit/2023) e compram enormes quantidades de roupas e bugigangas descartáveis. O fast fashion é responsável por mais de 11 milhões de toneladas de resíduo têxtil por ano, somente nos Estados Unidos.
Não há dados disponíveis sobre a pegada ambiental destes “sonhos de consumo”, mas ativistas ambientais apontam que essas gigantes do e-commerce geram muita poluição climática, hídrica e plástica e que os trabalhadores que produzem as roupas sofrem exploração.
Histórico preocupa
Em 2011, a região serrana do Rio de Janeiro sofreu a maior tragédia climática do Brasil, até aquele momento. Chuvas torrenciais devastaram cidades da região e deixaram 900 mortos e 165 desaparecidos. Boa parte das verbas emergenciais milionárias para as cidades atingidas foi desviada pelos gestores públicos dos municípios atingidos e prestadores de serviços.
Apesar de o Ministério Público Federal e Ministério Público Estadual do Rio terem entrado com ações na Justiça para reaver mais de R$ 50 milhões desviados, até hoje, nenhum valor retornou aos cofres públicos.
Recursos ilimitados
O Congresso Nacional aprovou nesta quinta-feira (9) alterações no Orçamento da União que facilitam a liberação de recursos de emendas parlamentares para ajuda ao Rio Grande do Sul. E o governo federal anunciou a liberação de R$ 50,9 bilhões para atender 3,5 milhões de pessoas atingidas pelas enchentes. Os órgãos de controle precisam ficar atentos para que os recursos vultosos destinados à reconstrução do RS não sejam surrupiados por gestores públicos e empresas, como ocorreu no Rio de Janeiro.
As tragédias climáticas recentes sinalizam que estamos no caminho errado. São uma oportunidade para aprendermos com os erros e implementar mudanças inadiáveis. A emergência climática requer uma transformação cultural ampla com novos paradigmas, em todos os níveis. Não por uma questão de bondade, mas de sobrevivência.