Aos leitores que vivenciaram ou têm curiosidade sobre a cena punk dos anos 80, a referência certamente deve tê-los divertido. Mas sinto que devo explicações àqueles que não conhecem a referência e que possam ter entendido como algo agressivo direcionado ao governador de Goiás, Ronaldo Caiado. “Surfista Calhorda” é, na verdade, uma música icônica da banda punk Os Replicantes, cujo nome é inspirado no meu filme favorito, Blade Runner (1982).
Passada essa breve explicação, vamos ao que interessa. Com a iminente prisão e manutenção da inelegibilidade de Jair Bolsonaro, abre-se uma vaga para representante da extrema direita na próxima tormenta – ou eleição presidencial. A dúvida é: quem conseguirá capturar os corações (e pinças) das cambadas bolsonaristas? Caiado, como fazem os azarões, logo se precipitou ao mar, pois não pode perder tempo.
Te podría interesar
Acredito que, não ignorando as adversidades, ele vislumbra uma brecha que pode habilitá-lo nesta ambição. Não precisando repetir gestos esdrúxulos, como acenos para extraterrestres com um celular na mão, participar de cultos a pneus ou defender o “terraplanismo” (embora possa enfrentar resistência dos negacionistas da vacina contra a Covid-19).
Caiado parece acreditar que possa ser exitoso reforçando uma imagem de legítimo conservador: filho da aristocracia, adepto da meritocracia e, principalmente, um político “acima da média” — desde que tome cuidado para não soar intelectual demais, o que poderia afastar os mexilhões do mar bolsonarista. Mas será que essa estratégia renderá um bom pico? Sigamos...
Te podría interesar
Um enigma que se apresenta a ele está no fato de que o principal “local”, Bolsonaro, não possui nenhuma dessas características que ele entende como suas vantagens. Talvez ele esteja mirando mais o “case” Fernando Collor, do que o Bolsonaro, mas isso é apenas uma conjectura. Certo é que Caiado aposta que pode ultrapassar a espuma com sua prancha, sustentada por dois pilares: “segurança pública” e embates com o presidente Lula. Sobre isto vale uma análise mais detida.
Apesar de se apresentar como um “high performance” da segurança pública, sua política nessa área está longe de ser inovadora. Baseia-se no modelo “Lei e Ordem”, favorito de 9 em cada 10 gestores que fingem que “causar impacto” é o mesmo que “resolver o problema”, ou “deixar um legado”.
Por que este modelo é tão popular? Em parte, porque é simples, direto e facilmente compreendido pela população, que apoia medidas como aumento do efetivo policial, reforço do policiamento ostensivo, mais rondas, abordagens e prisões. Além disso, é capaz de gerar estatísticas atrativas para a imprensa, como, por exemplo, a redução de roubos de veículos etc.
Isso tudo parece ótimo para um político e para a população, mas… mas… seria simples e fácil se desprezarmos o agudo aumento de gastos de que necessita, de sua baixa resiliência (exigindo novas e custosas estratégias para seguir em funcionamento), aumento das falhas e problemas de saúde entre policiais, e quando desacompanhada de outras políticas (o que acontece quase sempre no Brasil), pode-se dizer que não deixa legado algum, ou seja, seis meses depois de esgotada, é provável que esteja tudo como antes, ou pior.
Aparentemente, tudo isso soa como uma solução perfeita, mas… não é tão simples. Esse modelo exige investimentos financeiros altíssimos, tem baixa resiliência (sendo necessário constantemente injetar recursos e novas estratégias para mantê-lo funcional), provoca desgaste físico e psicológico nos policiais – reforçando erros e abusos (sendo econômico).
Além disso, quando não é acompanhado por políticas complementares — como costuma ocorrer no Brasil —, ele falha ao não deixar um legado duradouro. Seis meses após seu esgotamento, o cenário frequentemente retorna ao ponto de partida, ou piora.
Mas o triste, por assim dizer, de toda essa história é que apesar de todo o marketing, de ações minguantes vendidas como soluções, é provável que Caiado não ultrapasse o destino do “surfista calhorda”,
Apesar disso tudo, o mais provável é que Caiado não consiga superar o destino do “surfista calhorda”.
“Rack na caranga muito louca pra dar banda Cheque na carteira recheada de paranga Prancha importada assombrando a meninada Corpo de atleta e rosto de Baby Johnson
É, mas quando entra na água É, na primeira braçada É, ele não vale uma naba Ele não surfa nada, ele não surfa nada” (Surfista calhorda - Replicantes)
*Pedro Chê é Policial civil no Rio Grande do Norte e membro do grupo Policiais Antifascistas.
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.