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Democracia nas polícias não significa barbarismo nas redes sociais – Por Pedro Chê

O exercício pleno de direitos, ou como alguns chamam – democratização das polícias, é um tema espinhoso, e é fácil de entender o porquê

Créditos: Divulgação/STF
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O exercício pleno de direitos, ou como alguns chamam – democratização das polícias, é um tema espinhoso, e é fácil de entender o porquê. Estão imbricados neste debate diversas perspectivas conflitantes. Para se ter uma ideia, há quem participe sob a influência de ojeriza (pela polícia ou pelos policiais – já senti isso na pele), e há quem, a partir de profunda desonestidade intelectual, o faça apenas na busca de vantagens corporativas. Tal disparidade, por si só, basta para revelar o tema com um caldo com ingredientes que não combinam.

Embora construir algo a partir desse contexto seja difícil, surgem situações tão escabrosas que, mesmo sem consenso, a defesa é feita de forma acabrunhada. Bem, do que estamos tratando exatamente neste texto? Da suspensão de vídeos de entrevistas absurdas dadas por policiais - via podcast’s – algumas delas onde convidados e anfitriões se deleitam – como se num sonho em que não existissem leis e deveres funcionais-, e relatam suas “travessuras” dentro de viaturas e em ocorrências, muitas delas indubitavelmente ilegais. Ou quando mais comedidos, fazem o desserviço de enaltecer assassinatos e outras formas de violências.

Faço uma breve pausa para uma pontuação necessária: sou favorável (a despeito da análise de alguns e do ódio de outros) que ao policial seja sim assegurada a liberdade de criticar leis, ordenamento jurídico, sistema judiciário, e ações institucionais, desde que não fira a honra e não promova ilícito. Aliás, vejo como algo salutar, pois nosso sistema de segurança pública e grande parte das instituições aderentes estão dentro de uma redoma, protegidas de qualquer influência ou interferência social, como se por si só bastassem. Debater e criticar o que status quo difere em substancia da defesa de ilegalidades e crimes.

Surpreende-me que só neste momento tenhamos uma resposta nacionalizada sobre a questão, pois há muito tempo esse tipo de prática absurda vem ‘correndo solta’. Em nível estadual, há previsão de algumas restrições, principalmente quanto ao uso de fardas e símbolos das instituições em redes sociais ou para fins estranhos a ‘coisa pública’. No entanto dá a impressão de ser mais eficaz contra situações menores, como quando uma mulher grávida fazer um book fotográfico usando a farda, ou quando um grupo de policiais (novamente mulheres) faz um vídeo viral mostrando-se ora de uniforme, ora com roupa para festas, saídas e etc. Já em situações mais graves, onde assistimos policiais – normalmente fardados, a frequentemente em horário de serviço, usando esse status para dar um ‘up’ em suas redes sociais, salvo exceções, vem sendo realizado com bastante liberdade, não fosse assim não haveria quórum para uma bancada da bala.

Estes participantes midiáticos, que se colocam como o “trigo” dentro do colapsado sistema de segurança pública, afogado em diversos problemas, representam um ideal de sociedade ‘policialesca’, onde a justiça pode ser feita nas ruas de forma arbitrária. Não há ativismo anti-polícia mais eficiente do que a presença de justiceiros; aliás, este seria um dos caminhos para uma sociedade sem polícia, operando a partir de milícias locais. Vivemos tempos tão bárbaros e oblíquos, e aqui falo especialmente aos policiais, que há muito tempo perdemos (não só nós) a capacidade de perceber o outro; estamos numa fase em que temos imensa dificuldade de percebermos a nós mesmos, onde para nós valorização é materializada apenas em dinheiro, um melhor salário, pouco importando sua realidade institucional ou o papel na sociedade. Portanto, natural que aplaudamos e ofertemos likes a nossa própria desgraça.

*Pedro Chê é Policial civil no Rio Grande do Norte e membro do grupo Policiais Antifascistas.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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