Alguns textos atrás eu falei dos Irmãos Grimm.
Hoje vou contar a história de outra dupla de irmãos que é menos famosa, embora gere muito, mas muito mais grana do que os livros dos Grimm.
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Os protagonistas deste capítulo são Adolf e Rudolf Dassler.
Queria ver a expressão de vocês nesse momento. Será que alguém já identificou do que estou falando? Mas vamos à história.
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Os meninos nasceram numa cidade chamada Herzogenaurach, na Baviera. Rudolf em 1896, e Adolf, cujo apelido era Adi, em 1900.
A mãe deles tocava uma pequena lavanderia em casa, enquanto o pai, como grande parte da população da cidade que estava envolvida na manufatura de tecidos e calçados, trabalhava numa fábrica de sapatos. Foi com seu apoio que Adolf resolveu começar a produzir, em casa, sapatinhos de couro. Mas ele adorava esportes e, com seus dons de designer e artesão, desenvolveu um modelo com pregos na sola, muito adequado para a prática esportiva.
Logo o outro irmão se juntou a ele na pequena empresa, a “Gebrüder Dassler Schuhfabrik”, lá pelos idos de 1924, assumindo a parte comercial em função de seu bom desempenho como negociador.
Estamos no início da década de 30 e Hitler está chegando ao poder. Se assistirmos aos vídeos que retratam a Alemanha nesse período (pré-guerra), fica claro como o Nazismo (e o fascismo italiano também) estimulava a prática esportiva. Há vários filmes com grupos de jovens fazendo ginástica em espaços públicos. Os ditadores não estavam pensando apenas em corpos saudáveis; esses regimes usavam o esporte como forma de disciplinar a sociedade com dois propósitos importantes: preparar a população para a guerra e criar um clima de união nacional, de nacionalismo. Além disso, a Alemanha estava organizando os próximos Jogos Olímpicos de Verão, os de 1936, em Berlim.
Adi viu nesse evento a grande chance para seus sapatos esportivos ganharem visibilidade no mundo e foi a Berlim com um modelo desenhado exclusivamente para o atleta americano Jesse Owens. Usando aquele par de sapatilhas personalizado, o atleta americano negro humilhou o führer e ganhou 4 medalhas de ouro.
Mas em seguida veio a guerra e os irmãos foram convocados para o front. Entre dispensas e reconvocações, intrigas, fofocas, traições, brigas entre as cunhadas e prisões, os irmãos voltaram para a cidade e, após o final da Segunda Guerra Mundial, declararam uma guerra particular entre eles.
Em 1948 ninguém aguentava mais a convivência no mesmo espaço e eles decidiram se separar e dividir a fábrica. Parte dos funcionários foi com Adi, parte com Rudi, que se mudou para o outro lado da cidade, do lado de lá do rio, onde montou outra fábrica de calçados esportivos. Desapareceu a velha Dassler Schuhfabrik e eles tiveram que inventar novos nomes para suas empresas.
Adi juntou seu apelido com parte do sobrenome e batizou sua empresa como ADIDAS. Já Rudolf pensou inicialmente em RUDA, mas foi aconselhado a buscar um nome mais forte e acabou criando a marca PUMA.
E aí começou uma guerra comercial fortíssima, somada à guerra particular e à familiar. Há um monte de fofocas sobre adultérios, denúncias anônimas e outras bombas de similar quilate, mas este texto prefere se ater (hoje, só hoje) aos fatos documentados e não a bisbilhotar a vida dos outros...
A rivalidade dos irmãos dividiu também a cidade. Loja que vendia Adidas não podia vender Puma, e em bar onde costumavam ir os funcionários da Puma, o pessoal da Adidas não entrava. Não existia família nenhuma com membros trabalhando nas duas fábricas. Se alguém labutava na Adidas, todos os outros familiares só podiam tentar uma vaga lá também. Dizem que na cidade todo mundo andava olhando para baixo para ver a marca do sapato antes de começar a conversa.
A Adidas ia de vento em popa. Em 1954 disputou-se a Copa do Mundo na Suíça e a final foi entre a Alemanha Ocidental e a Hungria. O jogo foi disputado embaixo de um toró incessante, mas os alemães usavam moderníssimas chuteiras Adidas com travas rotativas na sola, e foi esse segredo o fator decisivo para garantir o placar de 3x2, de virada, em favor do time germânico. Foi uma partida tipo Ayrton Senna correndo na chuva...
Teve, porém, uma briga que preciso mencionar porque diz respeito a um atleta brasileiro.
Estamos na década de 60, o futebol se tornando o grande esporte planetário, a seleção alemã revelando grandes craques, e os irmãos, que não se falavam mais, disputando o patrocínio de um ou outro craque, de clubes ou da seleção nacional, aquela briga padrão Fifa. Mas eles se encontraram uma última vez, e foi para selar um pacto. Existia um atleta que nenhuma das duas empresas iria procurar por se tratar do melhor jogador de futebol do mundo, e era certo que eles iriam falir se entrassem numa disputa para patrociná-lo. Sim, estou falando de Pelé.
Vamos para o México, 1970. A Puma manda um representante que fica de olho na equipe brasileira e, lá pelas tantas, esse executivo vai fazendo acordo com os jogadores do time canarinho, um de cada vez, sem chamar atenção nem falar com o rei. Até que chega o momento certo, véspera da final, o cara chama o Pelé, coloca 120 mil dólares na mesa, e o camisa 10 fecha o negócio. Fica com a grana e vai jogar com a chuteira Puma, de uma risca só!
Anos depois, Tostão teria contado uma nova versão dos acontecimentos no vestiário daquele dia. Pelé, antes de entrar em campo, teria pedido ao massagista que o ajudasse a arrancar duas tiras das chuteiras Adidas, para parecerem Puma, e teria dito: “Prefiro Adidas, muito mais confortável!”
Esse evento mexicano foi a gota d'água que marcou o rompimento definitivo da relação entre os irmãos, que nunca mais se encontraram.
Rudolf faleceu antes, em 1974, e Adi não compareceu ao enterro. Quatro anos depois, faleceu Adi, que foi enterrado no mesmo cemitério, mas no lado oposto.
Em 2006 houve um novo confronto entre as marcas, e foi na final do Mundial na Alemanha, quando se encontraram as equipes da França (com Adidas) e Itália (com Puma). O título ficou com a Puma.
Mas em 2009 a cidade desse drama shakespeariano resolveu que estava na hora de encerrar as hostilidades e, para pôr fim ao clima de rivalidade, foi marcado um amistoso entre os times de futebol das duas empresas. Não consegui encontrar a informação de quem ganhou a partida, mas isso já não tinha mais nenhuma importância, porque agora o adversário real estava do outro lado do Atlântico Norte, e se chamava Nike!
Abraços!!
*Esther Rapoport é graduada em História pela Universidade de São Paulo, mas se dedicou nos últimos 40 anos à indústria do Turismo, tendo trabalhado em diversas empresas do setor além de oferecer palestras e cursos para profissionais do turismo e viajantes curiosos, interessados em ampliar seu repertorio sobre a História dos mais variados destinos do planeta. Mora atualmente na Alemanha
**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Fórum