A Cop 28 termina deixando um conjunto de sentimentos para os mais de 100 mil participantes de todo o planeta. Da minha parte, de positivo, ver a juventude participando intensamente e de forma crescente nos faz esperançar que cresce a consciência sobre nossas vulnerabilidades e de que um mundo do “bem viver” é possível e necessário.
Conversar com jovens de diferentes países do Sul global revela que existe uma grande oportunidade de se construir, de forma coletiva e colaborativa, alternativas de governança dos nossos territórios, valorizando soluções baseadas na natureza para todas as demandas de nossas ‘sociobiodiversidades’.
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Diálogos com jovens do Oriente Médio revelam seres humanos atentos para as tragédias produzidas pelo modelo atual de desenvolvimento, e a certeza que as alternativas estão no diálogo e no trabalho coletivo e colaborativo. A conversa com uma jovem médica da Índia deixa explícita que é crescente a percepção da necessidade de produzirmos saúde planetária, valorizando o conceito de saúde única, que valoriza a saúde dos seres humanos combinada com a saúde dos territórios e do processo de produção de nossos alimentos. Apesar das dificuldades impostas pelos organizadores, as muitas manifestações realizadas demonstram que existe uma necessária revolta e o sentimento de dar um basta no modelo fóssil de desenvolvimento.
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Outro aspecto positivo e que precisa ser valorizado é ver o Brasil de volta, defendendo o Acordo do Paris, e elementos fundamentais para termos uma transição justa, cobrando dos países desenvolvidos que assumissem suas responsabilidades históricas nesse processo. Apesar das incoerências representadas pela adesão a OPEP+ e do leilão que ocorreu em 13 de dezembro, ver o processo diplomático se reunindo com toda a representação, e a valorização da ciência na construção das NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas, na sigla em inglês), estão entre os aspectos positivos que precisam ser valorizados. O Brasil propõe o fundo Florestas Pra Sempre, que reúne possibilidade de um mecanismo internacional de contribuir para a preservação de florestas de 80 países.
Entretanto, a indignação cresce à medida que se consolida o apartheid socioambiental no processo de decisão “multilateral”. Esse evento cristaliza a participação crescente de representantes de setores que querem perpetuar o modelo falido, insistindo nos racismos e injustiças que já produziram tantas tragédias em todo o mundo. O número de delegados que representam a indústria fóssil passou de 600, na conferência de Sharm el-Sheik no Egito, para cerca de 2.456, agora em Dubai. Apesar de serem apenas um pouco mais que 2% dos participantes, o peso desproporcional desse setor ficou explicito ao nos depararmos com o texto produzido e apresentado pela presidência final do evento e divulgado na manhã da última quarta feira (13).
O novo texto geral avança ao citar diretamente os combustíveis fósseis, uma demanda histórica das partes. No entanto ele propõe de forma vaga que “façamos a transição” da sua utilização “nesta década crítica”.
A expressão “eliminação gradual” dos combustíveis fósseis, que estava presente nas versões preliminares do texto, não sobreviveu às discussões, apesar de ter sido solicitada por mais de 100 países. As nações ricas em petróleo opuseram-se fortemente a este apelo. Portanto, o texto falha, apesar de todos os apelos da academia, e dos princípios da precaução e prevenção, em viabilizar financiamento necessários para os países em desenvolvimento para fazerem a transição do carvão, do petróleo e do gás, em tempo hábil de se evitar os piores cenários de aquecimento.
Outro aspecto que merece destaque é que os países desenvolvidos e os produtores de petróleo não serão forçados a agir tão rapidamente como a ciência climática exige. Em conjunto o texto não reúne o necessário espírito de urgência e não estabelece metas e prazos em sintonia com as necessárias reduções de emissões.
O documento não atende a expectativas de reunir ambições suficientes para se evitar a perda de vidas e catástrofes socioambientais derivadas do agravamento do aquecimento global esperados para os próximos anos. Como afirmado no fechamento dos trabalhos da comissão brasileira, em manifestação da ministra Marina Silva, essas insuficiências devem ser sanadas o mais rapidamente possível atendendo aos alertas da ciência. Os esforços para termos avanço na construção de um texto que esteja em sintonia com principio das responsabilidades comuns, porem diferenciada, será continuado pelos países que sediarão os próximos dois eventos e o atual país sede, portanto, grupo composto por Emirado Árabes Unidos, Azerbaijão e Brasil.
Para entendermos a relevância deste texto, vamos aprofundar um pouco no seu significado. O texto tem por título, “A Global Stocktake (GST)”, e é uma síntese de propostas de enfrentamento da crise climática, por um período de 5 anos, conforme acordado em Paris de 2015. O seu objetivo é ajudar os governos e as Nações Unidas, sob a perspectiva multilateral, a acompanhar e avaliar nossos progressos nas ações de mitigação, adaptação e financiamento para combate das mudanças climáticas e seus impactos socioambientais. O GST não avalia o progresso em países individuais, mas o efeito agregado da ação até agora, motivando os estados nacionais, cada um dos países, a “aumentar” as suas ambições, as chamadas NDCs.
Assim que o GST estiver aprovado, os países terão dois anos para apresentarem os seus NDCs atualizados à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC), detalhando as ações que pretendem tomar para respeitarmos globalmente os limites de aquecimento de 1.5ºC a 2º C acordados em Paris.
O que mais escutei é que o texto é inaceitável. Países mais vulneráveis, como as nações ilhas do Indo-Pacífico encararam o texto como uma sentença de morte. Apesar do evento trazer momentos de discussão que alertavam para urgências detalhando caminhos possíveis para se evitar os piores cenários, o produto final do evento não refletiu a ambição necessária para essas ações de promoção do planeta mais justo e seguro que é direito de todos. E após 28 anos de discussões multilaterais, esperávamos que todas as partes tivessem maior maturidade e compromisso ético.
Olhando para o dicionário, vemos que atitudes ou gestos assim, que ameaçam aqueles mais vulneráveis, são desprovidas de coragem, são repletas de acanhamento, carecem de ousadia, estão impregnadas por violências. O resultado dessa Cop 28 representa um ato covarde de uma minoria que agora coloca em risco o pacto civilizatório, assim como nossa casa comum, a Terra.
* Paulo Horta é doutor em ciências biológicas pela USP e pós-doutor em ecologia marinha pela Plymouth University (Reino Unido). Atualmente é professor da UFSC, onde coordena pesquisas relacionadas aos impactos ambientais decorrentes das mudanças climáticas e poluição dos oceanos