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Por Antonio Lisboa* e Julimar Roberto**
No Brasil, desde o golpe de 2016, enfrentamos uma conjuntura de constantes ataques não só aos direitos e interesses da classe trabalhadora, mas também à democracia, à garantia de avanços nas negociações e à melhoria na distribuição de renda.
A reforma trabalhista aprovada em fins de 2017 se consolidou como uma ruptura de paradigmas, fortalecendo a estratégia do capital em fragmentar a unidade da classe trabalhadora, através do ataque às negociações coletivas e do negociado prevalecer ao legislado, entre outros ataques. Desde a eleição de Bolsonaro, este cenário só piorou, já que o presidente prometeu “aprofundar” a reforma trabalhista e anunciou que os trabalhadores/as no Brasil terão que escolher entre ter emprego ou direitos.
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O fim do Ministério do Trabalho simboliza claramente que o “trabalho” não é prioridade deste governo. A Medida Provisória 905 cumpre promessa de campanha do presidente. Com a medida que cria a carteira “verde amarela”, os empresários deixarão de pagar tributos, porém a redução da arrecadação cairá nas costas do/a trabalhador/a desempregado/a: já que o governo decidiu cobrar tributos de 7,5% do valor do seguro-desemprego. A MP 905 ataca a fiscalização dos órgãos que compõem a estrutura do Judiciário Trabalhista, ou seja, sem fiscalização, trabalho escravo e acidentes de trabalho aumentarão.
A financeirização e o controle do capital, sob os avanços tecnológicos, geram a perpetuação da desigualdade social e o número de empregos precários só aumenta como os/as trabalhadores/as das economias de plataformas e colaborativas. Além da ausência de proteção social, a estratégia do capital é identificá-los como “colaboradores” e não trabalhadores/as, já que alguns usam seus próprios meios de produção para gerar renda. Ou seja, para além da questão das relações e das condições de trabalho em si, temos hoje outro desafio, já que a própria centralidade e identidade do trabalho estão sendo questionadas.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua (PNAD-C), divulgada em setembro de 2019 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), aponta que os/as trabalhadores/as na informalidade atingiram o recorde de 41,4% do total da população ocupada no país, e o trabalho autônomo somou 24,3 milhões de trabalhadores/as, cerca de um quarto da população ocupada no país. Esses são os maiores contingentes desde que os indicadores passaram a ser medidos. O número de desempregados dobrou em quatro anos, atingindo a faixa de 12 milhões e quase 5 milhões de trabalhadores estão em situação de desalento, ou seja, desistiram de procurar emprego.
O Brasil, marcado por profundas desigualdades sociais, é realidade para duas formas de trabalho autônomo: a complementação de renda e o “empreendedorismo”. De acordo com os dados da OCDE de 2018, Brasil é o 3º país em número de pessoas autônomas e o 4º em quantidade de trabalhadores/as que vivem abaixo da linha de pobreza. Existem hoje no Brasil mais de 4 milhões de trabalhadores/as em plataformas digitais e o número de vendedores nas ruas saltou mais de 500% entre 2015 e 2018.
O trabalho informal é para muitos/as o único meio de garantir o sustento da família. Os vendedores de rua enfrentam diversos desafios como conseguir autorizações para legalizar suas atividades, além de locais para guardar seus produtos e até mesmo carrinhos para transporte de produtos. Muitos/as precisam se deslocar por longos trajetos carregando mercadorias pesadas.
Além da intensificação da mercantilização dos espaços públicos, um dos maiores desafios desta categoria são as ações do poder público na repressão à sua atividade, a criminalização destes trabalhadores/as e também agressões por parte de alguns comerciantes locais. Se por um lado, o poder público é ausente na promoção e garantia da proteção social, por outro promove a repressão e legitima a criminalização destes/as trabalhadores/as. A criminalização, que vai além do confisco de mercadorias, se traduz muitas vezes em assédio e violência, além de ameaças à liberdade e à vida das lideranças destes/as trabalhadores/as.
Para que os/as trabalhadores/as informais tenham acesso a uma vida digna, trabalho decente e proteção social é necessário que as organizações que representam esses trabalhadores se fortaleçam e que o poder público os reconheçam para construir diálogos efetivos e negociações concretas.
A União Nacional das Trabalhadoras e Trabalhadores Ambulantes, Camelôs e Feirantes do Brasil – UNICAB, por exemplo, vem articulando organizações representativas de vendedoras/es de rua para fortalecer nos níveis municipais e federal a defesa pelo direito ao trabalho nas cidades, a luta em defesa de direitos humanos e trabalhistas e pelo fim da criminalização e deslegitimação dos trabalhadores/as da economia informal, apesar das ameaças sofridas por suas lideranças.
É essencial também avançar no respeito e implementação da Recomendação 204 da OIT, que foi aprovada em 2015 sobre a Transição da Economia Informal para a Economia Formal, e lutar pela ratificação da convenção 190 da OIT, criada em junho deste ano, sobre violência e assédio nos locais de trabalho.
Os entregadores de comida dos aplicativos de serviços são, na sua imensa maioria, jovens negros que muitas vezes trabalham mais que 12 horas por dia, sem descanso semanal, e muitos não chegam a ganhar um salário mínimo. Essas e outras plataformas digitais geram trabalho de qualquer lugar e “flexibilidade” na jornada de trabalho, só que ao mesmo tempo impõem exaustivas jornadas de trabalho para alcançar uma renda decente, riscos em termos de saúde e segurança, nenhum contrato de trabalho, ou seja, nenhuma garantia laboral e nenhuma proteção social.
O poder público, mais uma vez, é ausente nas necessárias regulamentações para que esses trabalhadores/as tenham acesso a uma atividade decente e a uma vida digna. Por isso, é urgente organizar e lutar pelos direitos desses trabalhadores/as.
No seu 13º Congresso Nacional, realizado em outubro deste ano, a CUT atualizou seu projeto organizativo. Tendo em conta as transformações que geram um imenso contingente de trabalhadores/as à margem da organização sindical, o objetivo é ampliar a representação sindical para o conjunto da classe trabalhadora, ultrapassando o conceito de categoria profissional e o de um sindicato restrito a esse conceito. Para tanto, a CUT deve organizar e apoiar os/as trabalhadores/as informais no contexto dessa nova configuração do mundo do trabalho (precário, informais, desempregados, trabalhadores/as de plataforma, MEI’s etc).
São tempos difíceis para a classe trabalhadora brasileira, num cenário de constantes ataques aos trabalhadores/as e à democracia, e os/as trabalhadores/as informais são os que vivenciam mais ainda a falta da democracia, a violação de direitos, aumento da pobreza e a volta da miséria. Nesse sentido, a CUT seguirá na luta por justiça social e melhores condições de vida e de trabalho para todos e todas e repudia a repressão, criminalização, assédios e ameaças aos trabalhadores/as informais.
*Antonio Lisboa é secretário de Relações Internacionais da Central Única dos Trabalhadores - CUT
**Julimar Roberto é presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços - CONTRACS – CUT