Segundo longa reportagem do Intercept Brasil, Júlia* tinha apenas 13 anos quando foi estuprada e engravidou, em Santa Catarina. Em meio ao trauma, ela e sua mãe, Rosie*, decidiram buscar acesso ao aborto legal, direito garantido pela legislação brasileira em casos de violência sexual. Mas o que deveria ser um momento de amparo e proteção às vítimas se transformou em uma experiência de pressão, exposição e abandono.
Mãe e filha foram abordadas ainda no hospital por integrantes de uma organização antiaborto, que se apresentaram como salvadores. Liderada por Zezé Luz, a chamada Rede Nacional em Defesa da Vida e da Família — ou Rede Colaborativa Brasil — interveio diretamente na decisão da família. Com promessas de apoio e acolhimento, convenceram as duas a desistirem do procedimento, mesmo diante da legalidade e da fragilidade emocional da adolescente.
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Hoje, um ano depois, Júlia enfrenta depressão profunda, pensamentos suicidas e um silêncio que a consome. Rosie, por sua vez, se desdobra para sustentar o bebê sozinha, sem emprego fixo e com pouca rede de apoio. Nenhum representante da Rede Colaborativa voltou a procurá-las.
“Eles diziam que não iriam nos abandonar. Que iam ajudar com tudo. Mas nunca mais apareceram”, diz Rosie à reportagem, com os olhos cheios d’água.
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Presidente de honra
A Rede Colaborativa Brasil, que se apresenta como uma entidade dedicada à “proteção das mulheres e dos nascituros”, tem forte presença política e religiosa no país. Formada por médicos, militares, padres e ativistas ligados à extrema direita, a ONG coleciona publicações nas redes sociais celebrando casos em que mulheres teriam sido “salvas” do aborto.
A presidente de honra do grupo é a cantora Elba Ramalho, que participa de eventos, grava vídeos de apoio e aparece como “embaixadora pró-vida no Brasil”.
Ao tomar conhecimento do caso, a cantora publicou em sua conta do Instagram resposta em que afirma não ter reponsabilidade alguma sobre as várias entidades que é presidente de honra.
Veja a nota da cantora abaixo:
Venho a público, diante das recentes notícias divulgadas de forma irresponsável por alguns veículos, esclarecer que, como mãe de quatro filhos e madrinha de batismo de mais de uma dezena; recebo com carinho as homenagens como presidente de honra de diversas instituições que tanto me enobrecem. Sendo madrinha de hospitais, creches, quadrilhas juninas, redes de apoio à mulher e contra a violência infantil, ONGs em favor da adoção, da vida, da paz, da ecologia, da liberdade e em prol dos pobres e desamparados.
• CONTUDO, NÃO POSSUO RESPONSABILIDADE ALGUMA SOBRE A GESTÃO OPERACIONAL DESSAS ENTIDADES. Quem me conhece sabe do meu profundo envolvimento com a caridade e bondade.
• Diante da completa falta de conhecimento sobre a história absurda que vem sendo veiculada, aguardo um posicionamento da Rede Colaborativa para que a verdade seja restabelecida. Lamento profundamente as pedras injustas lançadas por pessoas desinformadas. Reafirmo que sou uma artista brasileira com valores inegociáveis, caráter íntegro e um coração cheio de disposição para servir. Quem me conhece, sabe! Deus abençoe a todos! Paz e Bem.
Elba Ramalho.
*O nome fictício usado para representar a personagem dessa história foi escolhido em homenagem a Rosie Jiménez (1950-1977), por ser um símbolo da luta pelo direito ao aborto seguro e acessível. Ela foi a primeira mulher nos EUA a morrer por falta de acesso a um aborto seguro depois que o governo cortou o financiamento público para o procedimento.