Uma enxurrada de mensagens começou a circular em grupos de WhatsApp e Telegram na manhã de terça-feira (8), levantando acusações infundadas sobre o patrocínio dos Correios à nova turnê de Gilberto Gil. O conteúdo, que sugeria um suposto privilégio ao artista mesmo diante da crise financeira da estatal, se espalhou rapidamente em canais frequentemente usados para disseminar pautas da extrema direita.
Monitoramento realizado pela empresa Palver, especializada em rastreamento de redes sociais, identificou que a propagação dos vídeos e textos seguiu um padrão coordenado. As publicações foram disparadas em horários similares e atingiram grande alcance em poucos dias. Entre 7 e 9 de abril, as menções ao assunto aumentaram em 1.400%, com picos no dia 9, especialmente associando o patrocínio à turnê com problemas no plano de saúde da estatal.
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O foco do ataque foi o apoio dos Correios à turnê “Tempo Rei”, anunciada no mês anterior. O contrato, realizado por meio das leis de incentivo à cultura, foi usado como argumento para sustentar uma teoria de favorecimento a artistas alinhados à esquerda. A campanha, no entanto, ignorou dados básicos sobre a natureza desses patrocínios, que são praticados há décadas por diferentes governos e empresas públicas.
Desinformação e teorias conspiratórias
Com o avanço das publicações, surgiram versões ainda mais distorcidas da história. Em vídeos compartilhados sem nenhuma comprovação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva é acusado de usar os recursos da estatal para financiar o tratamento de saúde de Preta Gil, filha de Gilberto Gil, nos Estados Unidos. Em conteúdos ainda mais extremos, a cantora é inserida em um suposto complô internacional envolvendo think tanks estrangeiros e agências como a USAID.
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As estratégias utilizadas seguem um manual conhecido de campanhas de desinformação: distorção de fatos, uso de apelos emocionais e conexão entre temas não relacionados para gerar indignação popular. Expressões como “os Correios agora entregam militância” foram usadas para reforçar o tom irônico e atacar simbolicamente a cultura e seus representantes.
A escalada da campanha
O movimento seguiu um ciclo comum: começa em redes fechadas como WhatsApp e Telegram, passa por blogs e rádios locais autointitulados “independentes” e, por fim, alcança influenciadores e figuras políticas que repercutem o conteúdo como se tratasse de uma denúncia legítima.
Apesar de ser apresentado como um debate sobre o uso de recursos públicos, o ataque à turnê de Gil se insere em um contexto maior: a tentativa de minar a legitimidade de figuras culturais associadas a ideias progressistas. Não é a primeira vez que isso acontece, e dificilmente será a última.
Mais do que um embate sobre patrocínios culturais, o episódio revela uma disputa simbólica sobre quem pode representar a identidade cultural do país. E, neste caso, a figura de Gilberto Gil, com sua história e influência, voltou ao centro do palco — mesmo sem querer.
Com informações da coluna Encaminhado com Frequência, da Folha