Nesta quarta-feira (10), o Clube de Leitura do CCBB 2024 realizará uma edição especial. O evento, marcado para ocorrer no Salão de Leitura da Biblioteca Banco do Brasil, contará com a presença de Tom Grito, poeta trans e não-binário, autor de "Antes que Seja Tarde para se Falar de Poesia" (2023) e Rita von Hunty, a persona drag do ator e professor Guilherme Terreri, conhecida por suas críticas culturais de grande impacto.
A mediação do encontro será conduzida pela poeta Suzana Vargas e contará com a participação especial do poeta e escritor Ramon Nunes Mello. A representatividade na arte e na literatura, especialmente no contexto de autores não-cisgênero, é o assunto norteador do debate do CCBB este ano.
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Além de promover a reflexão sobre essas questões, o encontro pretende incentivar a leitura e discutir as dinâmicas do mercado editorial para esses escritores. Em entrevista exclusiva à Fórum, Rita Von Hunty compartilhou suas percepções sobre a importância desses eventos e os desafios enfrentados por autores não-cisgênero no mercado editorial, hoje autodeclarado “diverso”.
“Há um impeditivo mercadológico: rios de tinta nos alertaram para o momento em que os departamentos de marketing iriam ditar quem escreveria o que. Não é raro, por exemplo, ver personalidades famosas nas redes sociais assinarem contratos com editoras no nosso tempo, Ursula K. le Guin nos alertava para este momento em que ‘seríamos vendidos como desodorantes’ nas prateleiras de livrarias. Este impeditivo mercadológico faz com que haja uma “censura mercantil” à pautas, linguagem e temas tratados por nós em nossos fazeres literários”, comenta Von Hunty.
No evento, Tom Grito apresentará seu livro "Eu Sei Como Sair Vivo Disso" (2023), uma coletânea de seus textos orais recitados em praças públicas e recitais. A obra inclui poemas longos, cartas e bilhetes trocados com outros poetas, e fala da própria poesia como um não-lugar em termos de sobrevivência material.
“É uma oportunidade bonita essa troca”, disse, ao reforçar a importância de abordar literatura e identidade de gênero, que afeta diretamente na redução do preconceito e na possibilidade de pessoas trans serem vistas como pessoas “normais”: profissionais, escritores, poetas.
Segundo Rita Von Hunty, as rodas de conversa literárias e os círculos de debate são cruciais para combater a superficialidade com que o tema é frequentemente abordado pelo mercado editorial brasileiro e nas redes sociais, especialmente diante da disseminação de desinformação por grupos políticos de extrema direita.
“Há um problema de “rotulação”, em nosso tempo, não somos poetas, somos poetas lésbicas; não somos romancistas, somos travestis que escreveram romances; não somos autores, somos estes “estranhos abjetos” fadados a rodar em círculos presos pelos pés a uma identidade fantasiada por quem nos rotula e isso faz com que, por exemplo, nossas obras não possam estar ao lado de outras do mesmo gênero literário, mas em uma prateleira distinta, destinada a nossa sexualidade ou identidade de gênero”, destaca.
Descontrução do ódio contra minorias políticas
No Brasil, bolsonaristas e figuras ligadas à extrema direita usam questões morais e sexualidade como estratégia para inflar o debate. De acordo com Rita, gênero se tornou um assunto mais espinhoso no Brasil em razão disso. “Os setores conservadores, reacionários e fundamentalistas tomaram para si o papel de criar em torno dos debates sobre gênero, sexualidade e identidade um exacerbado pânico moral.”
A literatura seria assim uma arma de combate ao discurso de ódio aos LGBTQIAPQ+. “Quando reunimos pessoas, de diferentes localidades, com diferentes experiências sociais e de território temos a chance de produzir e democratizar ferramentas para a desconstrução de estratégias políticas que visam desinformar e produzir ódio contra minorias políticas”, explica. “Em anos recentes vimos escandalizados a proibição de títulos de livros em escolas, autores que vão de Ziraldo a Jefferson Tenório, passando por Ana Maria Gonçalves, um impeditivo para nosso fazer literário quando sequer seremos lidos em espaços de formação e debate devido à recusa de tais espaços em formar e debater os principais assuntos de nosso país, gênero e raça, por exemplo.”
Em meio a tempos de tristeza, conflitos e violência, como Virginia Woolf destacava, a literatura pode se tornar uma poderosa ferramenta de resistência e mudança, ao invés de um “entretenimento”. Rita também sublinha essa ideia.
“Está na raiz de todo projeto democrático radical. Woolf aposta na transformação da percepção de um povo, da sua sensibilidade e capacidade de lidar com a diferença. Isso que a modernista inglesa vislumbrava como uma possível “virada” no jogo democrático foi no que investiram os setores fundamentalistas religiosos de nosso país. Ao longo das últimas décadas, igrejas neopentecostais, que professam e propagam uma teologia da prosperidade, investiram pesadamente na produção de redes de afeto e comunicação; fosse pela via da mídia (tvs, rádios e etc.), fosse pela via da presença em territórios abandonados pelo Estado. A “literatura” assim dita, como uma entidade autônoma e atomizada tem pouquíssima ou nenhuma força nestes cenários. É necessário pensar nas redes de leitores, nos círculos de debates, nas pedagogias de conversa, de gira e de roda para que então seja possível pensar a literatura não como um fim, mas como um meio de experiências sensível e um modo de partilha subjetiva.”
Outras informações do Clube de Leitura CCBB 2024
- Data e Hora: 10 de julho de 2024, às 17h30
- Local: Biblioteca Banco do Brasil, 5º andar, CCBB RJ
- Entrada: Gratuita
- Patrocínio: Banco do Brasil
- Os vídeos dos encontros estarão disponíveis na íntegra no YouTube do BB.
- O projeto vai até dezembro de 2024 e sessões anteriores já estão disponíveis.