Paulo Coelho fez uma postagem emocionante no X, antigo Twitter. O premiado escritor revelou detalhes do horror a que foi submetido ao ser preso e torturado em 1974, auge da ditadura militar no Brasil.
Ele ressaltou, também, a ajuda que recebeu da jornalista Hildegard Angel e do músico Roberto Menescal, após deixar o cárcere.
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Coelho relatou sua triste passagem pelos porões do Departamento de Ordem Política e Social (Dops), quando foi brutalmente torturado física e psicologicamente.
Os efeitos da violência eram tantos que o escritor chegou a se conformar com sua iminente morte. Porém, depois de interrogatórios intermináveis, o parceiro musical de Raul Seixas foi inexplicavelmente libertado.
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Leia a íntegra do texto de Paulo Coelho:
“1974: Um grupo de homens armados invade meu apartamento. Eles começam a vasculhar gavetas e armários — mas eu não sei o que estão procurando, sou apenas um compositor de rock. Um deles, mais gentil, pede que eu os acompanhe ‘apenas para esclarecer algumas coisas’. O vizinho vê tudo isso e avisa minha família, que imediatamente entra em pânico. Todos sabiam o que o Brasil estava vivendo na época, mesmo que não fosse divulgado nos jornais.
Fui levado ao Dops (Departamento de Ordem Política e Social), fichado e fotografado. Pergunto o que fiz, ele diz que eles farão as perguntas. Após algumas perguntas tolas, eles me liberam. A partir desse momento, oficialmente não estou mais na prisão — então o governo não é mais responsável por mim. Ao sair, o homem que me levou ao Dops sugere que tomemos um café juntos. Ele para um táxi e gentilmente abre a porta. Entro e peço para ir à casa dos meus pais — eles precisam saber o que aconteceu.
No caminho, o táxi é bloqueado por dois carros — um homem com uma arma na mão sai de um dos carros e me puxa para fora. Caio no chão e sinto o cano da arma na parte de trás do meu pescoço. Olho para um hotel à minha frente e penso: ‘Não posso morrer tão cedo’. Entro em um estado catatônico: não sinto medo, não sinto nada. Conheço as histórias de outros que desapareceram; vou desaparecer, e a última coisa que verei é um hotel. O homem me levanta, me coloca no chão do carro e me diz para colocar um capuz. O carro anda por cerca de meia hora. Eles devem estar escolhendo um lugar para me executar — mas ainda não sinto nada, aceitei meu destino.
O carro para.
Sou arrastado para fora e espancado enquanto sou empurrado por um corredor aparente. Grito, mas sei que ninguém está ouvindo, porque eles também estão gritando. Você está lutando contra seu país. Você vai morrer lentamente, mas vai sofrer muito primeiro. Paradoxalmente, meu instinto de sobrevivência começa a aparecer pouco a pouco.
Peço para não me empurrarem, mas recebo um soco nas costas e caio. Eles me mandam tirar a roupa. O interrogatório começa com perguntas que não sei responder. Eles me pedem para trair pessoas que nunca ouvi falar. Dizem que não quero cooperar, jogam água no chão. Vejo de baixo do capuz que é uma máquina com eletrodos que depois são ligados aos meus genitais.
Entendo que, além dos golpes que não vejo chegando (e, portanto, nem posso contrair meu corpo para amortecer o impacto), estou prestes a receber choques elétricos. Digo a eles que não precisam fazer isso — confessarei o que quiserem que eu confesse, assinarei o que quiserem que eu assine.
No dia seguinte, outra sessão de tortura, com as mesmas perguntas. Repito que assinarei o que quiserem, confessarei o que quiserem. Eles ignoram meus pedidos.
Eles me deixam. Depois de não sei quanto tempo e quantas sessões (o tempo no inferno não é contado em horas), há uma batida na porta e eles ordenam que eu coloque o capuz novamente.
Sou levado para uma sala pequena, pintada completamente de preto, com um ar-condicionado muito forte. Eles apagam a luz. Só escuridão, frio e uma sirene que toca incessantemente. Começo a enlouquecer. Tenho visões de cavalos. Bato na porta do ‘frigorífico’ (descobri mais tarde que era assim que chamavam), mas ninguém abre. Desmaio. Acordo e desmaio novamente e novamente, e em um determinado momento penso: melhor apanhar do que ficar aqui.
Acordo, e ainda estou na sala. A luz está sempre acesa, e não consigo dizer quantos dias ou noites se passaram. Fico ali por uma eternidade.
Anos depois, minha irmã me diz que meus pais não conseguiam dormir; minha mãe chorava o tempo todo, meu pai se trancava em silêncio e não falava. Não sou mais interrogado. Solitária. Um dia, alguém joga minhas roupas no chão e me diz para me vestir. Visto-me e coloco o capuz. Sou levado para um carro e jogado no porta-malas. Dirigimos pelo que parece ser uma eternidade, até que param — vou morrer agora? Mandam-me tirar o capuz e sair do porta-malas. Estou numa praça pública cheia de crianças, em algum lugar do Rio, mas não sei onde.
Dirijo-me à casa dos meus pais. Minha mãe envelheceu, meu pai diz que eu não deveria mais sair de casa. Tento entrar em contato com meus amigos, ninguém atende o telefone. Estou sozinho: se fui preso, devo ter feito algo, eles devem estar pensando. É arriscado ser visto com um ex-prisioneiro. Posso ter saído da prisão, mas a prisão permanece comigo.
A redenção vem quando duas pessoas que nem eram próximas a mim, Roberto Menescal e Hildegard Angel, que teve um irmão, Stuart, torturado até a morte, me oferecem um emprego.
Décadas depois, os arquivos da ditadura são tornados públicos, e meu biógrafo Fernando Morais obtém todo o material.
Pergunto por que fui preso: um informante te acusou, ele diz. Você quer saber quem foi?
Eu não quero. Isso não mudará o passado”.