Rodrigo Savazoni é um jovem pensador contemporâneo, pesquisador e gestor de iniciativas sociais. É autor de diversas obras que vão desde poesia e literatura infanto-juvenil, uma vasta biografia sobre o inovador grupo Fora do Eixo, até uma densa obra sobre o Comum. Trata-se de um conceito moderno que transita por fora do Estado e do mercado. Que, como ele mesmo define, “tem a ver com o velho sonho de uma sociedade sem classes e sem opressão”.
Está em fase de pré-lançamento seu livro “O Comum na Encruzilhada”, em que, mais uma vez, Savazoni se debruça sobre o assunto pelo qual se entregou na última década. Ele é Doutor em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (2023). Atualmente, é diretor associado do Instituto Procomum e coordena, em Brasília, a criação do projeto Casa Comum, espaço coletivo de trabalho e criação a ser inaugurado na capital federal.
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Rodrigo conversou com exclusividade com a Fórum sobre “O Comum na Encruzilhada”. Mesmo hesitante com simplificações, o autor conseguiu clarear um assunto que, segundo aposta de diversos intelectuais brasileiros, tende a dominar a pauta das próximas décadas.
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Capa de "O Comum na Encruzilhada"
Fórum: O que é o comum?
Rodrigo Savazoni: O comum é a terceira dimensão. Uma utopia e uma prática política. Está fora do Estado e do Mercado. Tem a ver com o velho sonho de uma sociedade sem classes e sem opressão, a partir da auto-organização. Um teórico americano fez uma equação: comum = comunidade + recurso + protocolos de autogoverno. Não confundir com o recurso em si, o bem comum. Estamos falando de como recursos permitem o surgimento de organizações sociais caracterizadas pela reciprocidade. É o que pode enfrentar o neoliberalismo.
Fórum: Como a cultura digital impactou o comum?
RS: A própria internet, em seu arranjo inicial, pode ser lida como um comum, porque produziu uma comunidade que gerencia a rede global. É de todos e ninguém ao mesmo tempo. O conhecimento, sem o suporte físico, é um bem que podemos trocar livremente, e muitos ativistas e pensadores passaram a defender essa perspectiva de uma cultura do comum. Assim foi lá no passado, mas é algo que está vivo por baixo do poder das plataformas.
Fórum: O que o seu livro “O Comum na Encruzilhada” traz de novo para o debate?
RS: “O Comum na Encruzilhada” é a tentativa de formular um pensamento sobre o comum no Brasil e na América Latina, a partir da singularidade que nos constitui, marcada pelo colonialismo e pela resposta que demos e damos à exploração, em muitos níveis. A literatura sobre o comum é essencialmente produzida no Norte. Ao trazer o comum pra encruzilhada, eu promovo uma outra mistura de saberes e conhecimentos, que se somam aos já existentes e, acredito, pode mostrar um outro jeito de pensar “o nós”.
Fórum: Você afirma propor uma “abordagem antropofágica” do conceito de bens comuns. O que isso quer dizer exatamente?
RS: A antropofagia é uma filosofia original brasileira. Ela sobrevive como uma espécie de seiva subterrânea que alimenta muitas de nossas melhores produções artísticas e intelectuais. Surgiu radicalmente anticolonial e antifascista. É aberta à troca, à mixagem, ao outro. Acredito que temos muito ainda a aprender com essa formulação. Pensar o comum, no Brasil, que foi o que me propus, me leva a pensar sobre essa abordagem antropofágica. Isso resulta em propor um comum a partir e para a diferença.
Fórum: Você cita muito em sua obra Oswald de Andrade, os tropicalistas e, sobretudo, a gestão Gil/Juca no MinC. Como isto se relaciona com o comum?
RS: Gilberto Gil é um comuneiro. Quando chegou ao MinC, disse, “não se iludam, serei um ministro tropicalista”. E assim foi. Com Gil, se realizou o maravilhoso movimento de sermos ao mesmo tempo profundamente brasileiros e extremamente internacionais. Gil propôs uma política pública do comum, os Pontos de Cultura, como um dos criadores dessa política, Célio Turino, diz. Comunidades em rede no poder. Existe um projeto político que nasceu com essa passagem de Gil e Juca pelo MinC que aponta rumos para o nosso futuro.
Fórum: Você fala ainda sobre sua experiência com o Candomblé e a influência disso em sua pesquisa. O próprio termo “encruzilhada” no título chama a atenção para isto. Quais são as encruzilhadas propostas e, principalmente, como seguir “um e outro” caminho, como diz Gilberto Gil, e não “um ou outro”?
RS: Tenho profundo respeito pelo candomblé. Sou frequentador de terreiro. Mas é importante dizer que, neste livro, a formulação que faço não é propriamente religiosa. Ela dialoga com a obra de Simas e Rufino, a ciência encantada da macumba, uma filosofia, para mim, antropofágica, que surge no Rio de Janeiro do Século 21 pela mão desses autores. A encruzilhada e o terreiro se tornam conceitos filosóficos. O que eles propõem é o fortalecimento dessa potência brasileira que emerge do encontro das diferenças. Lendo-os, eu disse para mim mesmo, é preciso levar o comum pra encruzilhada.
Fórum: E o que isso significa?
RS: Descolonizar o comum, pensá-lo a partir de e para as comunidades em luta que habitam nosso país, nosso continente. Há um comum no barracão da escola de samba, no terreiro, na horta urbana, no centro cultural auto-organizado, no grupo de teatro de rua, na esquina onde as pessoas se encontram e compartilham sonhos e dramas, nos assentamentos, nas unidades de manejo florestal, nas malocas, tem uma força aí que produz o comum e pode mudar o mundo.
Serviço:
O livro “O Comum na Encruzilhada” integra a coleção Cadernos de Cultura e Pensamento. O lançamento, por enquanto, é apenas em formato impresso. Uma versão digital poderá ser lançada mais para a frente. O volume está em pré-venda no site da editora OCA. Quem comprar agora terá 20% de desconto e receberá o livro em junho.
O autor
Rodrigo Savazoni, 1980, é escritor, pesquisador e gestor de iniciativas sociais. Doutor em Ciências Humanas e Sociais pela Universidade Federal do ABC (2023). Atualmente, é diretor associado do Instituto Procomum e coordena em Brasília a criação do projeto Casa Comum, espaço coletivo de trabalho e criação que será inaugurado na capital federal. É membro da rede de empreendedores sociais Ashoka. Sua obra transita por diferentes gêneros, da poesia ao pensamento contemporâneo, e foi publicada no Brasil e no Exterior. O comum na encruzilhada é seu novo trabalho.
Obras do autor:
CulturaDigital.Br, com Sergio Cohn (2009)
A Onda Rosa Choque - Reflexões Sobre Redes, Cultura e Política Contemporânea (2013)
Os Novos Bárbaros - A aventura política do Fora do Eixo (2014)
Poemas a uma mão (2015)
O Comum entre Nós: da cultura digital à democracia do século 21 (2018)
Teresa Cientista em: o Problema de ser Normal (2021)
O Comum na Encruzilhada (2024)