CINEMA

'Guerra Civil', filme estrelado por Wagner Moura, é baseado em quatro fatos reais

Longa aclamado pela crítica é distópico, mas espelha circunstâncias recentes e motivações políticas

Wagner Moura como jornalista Joel, personagem principal de 'Guerra Civil'.Créditos: Divulgação/Diamond Films
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Apesar de “Guerra Civil” ser enquadrado no gênero distópico, algo considerado como longe da realidade, o longa protagonizado por Wagner Moura e dirigido por Alex Garland vem espelhando narrativas, tensões e acontecimentos do Brasil e do mundo ocorridos nos últimos anos. O filme apresenta os Estados Unidos, considerado por muitos “um dos pilares da democracia ocidental”, em um cenário de uma guerra civil interna. 

Essa guerra é travada entre as Forças Ocidentais, uma aliança dos estados do Texas e da Califórnia, a Aliança da Flórida e o governo de Washington. Na história, o presidente dos EUA, cujo nome não é revelado, modifica a constituição do país para possibilitar um terceiro mandato. Nesse cenário, o Federal Bureau of Investigation (FBI), a polícia federal dos EUA, foi desmantelado. O resultado é uma sociedade cada vez mais dividida e o desencadeamento de uma guerra civil.

Uma equipe de jornalistas de guerra, pioneiros na área, decide percorrer o país devastado pela polarização. A missão é registrar a dimensão da tragédia e documentar a situação caótica no país. Ao longo dessa jornada, os jornalistas encontram circunstâncias que, apesar de serem fictícias, refletem diretamente conflitos e disputas recentes.

1 - Xenofobia

O preconceito contra pessoas estrangeiras, seja de outra cidade, estado ou país, é abordado no filme. No caso, é perpetrada pelo grupo dos Legalistas, que ainda apoiam o presidente e suas ações repressivas. E há registros recentes de crimes do tipo no próprio país. Em 2021, um homem atirou em casas de massagem na cidade de Atlanta, Geórgia, resultando na morte de seis mulheres asiáticas. 

No ano anterior, em 2020, o Centro de Estudos do Extremismo da Universidade Estadual da Califórnia, nos EUA, registrou um aumento de 150% nos crimes de ódio contra asiáticos em 16 das maiores cidades americanas, em comparação com 2019. Durante seu mandato nos EUA de 2016 a 2020, o ex-presidente Donald Trump implementou uma política de “tolerância zero” para imigrantes flagrados cruzando ilegalmente a fronteira com o México. 

De acordo com a ONG internacional Humans Right Watch, essa política resultou na separação de aproximadamente três mil crianças de seus pais. No entanto, em junho de 2020, Trump revogou a medida que autorizava a separação de famílias nessas circunstâncias. A medida aumentou a xenofobia no país.

2 - Campo de refugiados

No longa-metragem, o grupo de jornalistas faz uma visita a um campo de refugiados. Em contraste com o restante do país, o campo se apresenta como um refúgio temporário que parece seguro para crianças, idosos e adultos que perderam suas casas. Segundo o relatório Global Trends Report do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), em 2022, 108,4 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocar, das quais 35,3 milhões se encontram na condição de refugiados, como acontece agora na Palestina, após um constante conflito armado ocasionado na região pela forças armadas israelenses.

Assim como retratado em “Guerra Civil”, os campos ajudam a fornecer recursos vitais, como água e alimentos, para seus habitantes. Buscando refúgio de perseguições políticas e da violência decorrente de conflitos armados, essas pessoas se encontram em uma situação de vulnerabilidade social extrema.

3 - Movimentos separatistas

Embora a ideia de um estado ou um grupo de estados buscando independência de seu próprio país e povo possa parecer digna de uma distopia, essa é ou já foi uma realidade em alguns países. No filme, isso é exemplificado pela improvável aliança entre Texas e Califórnia, juntamente com rebeldes da Flórida, que serve como o principal fio condutor da trama.

No início deste ano, por exemplo, o Texas sofreu uma onda de reinvindicações pelo “Texit”, após uma decisão da Suprema Corte, em favor da administração do presidente Joe Biden em uma controvérsia sobre barreiras na fronteira. O Texas tem enfrentado um aumento no número de pessoas que atravessam a fronteira do México, intensificando o debate sobre imigração ilegal no estado. E Trump insuflou apoiadores com a ideia do estado se separar dos Estados Unidos. Leia mais nesta matéria da Fórum.

4 - As guerras civis

Uma guerra civil, que é um conflito que ocorre dentro das fronteiras de uma nação e que dá título ao filme, pode desencadear violências terríveis e ações governamentais drásticas, semelhantes às experienciadas pelos personagens, principalmente quando se tem um cenário de polarização intensificado. Embora a referência mais lembrada no território americano seja a “Guerra de Secessão” (1861-1865) com os separatistas, também conhecidos como “rebeldes secessionistas”, o longa na verdade, reflete guerras civis atuais que ocorrem em outros países.

O Iêmen, um dos países mais empobrecidos do Oriente Médio, está imerso em uma guerra civil há uma década. A instabilidade política que se seguiu aos protestos da Primavera Árabe em 2014 resultou na deposição do então presidente, Ali Abdullah Saleh, e em ataques frequentes do grupo Al-Qaeda. Este contexto deu origem a movimentos separatistas, resultando na conquista de uma parcela do país, incluindo a capital, Sanaa, pelo grupo rebelde xiita Houthi, que agora controla 70% do território do Iêmen. 

Além disso, de acordo com o ato Wagner Moura, protagonista da trama, o filme ainda reflete as consequências reais e possíveis de governos de extrema direita ao redor do mundo:

“Todos os líderes que possuem tendências autoritárias, as primeiras coisas que tentam calar é o jornalismo, a universidade e os artistas. Porque são três forças que fazem pensar e que nos conectam com a realidade”, disse Moura em entrevista ao MidiaNinja semana passada. “Não é por acaso que Trump fala mal de jornalistas, que Bolsonaro fala mal de jornalistas”, destacou ele.