O acervo da filósofa, ativista e antropóloga mineira Lélia Gonzalez (1935-1994) continuará no Ilê da Oxum Apará, em Itaguaí (RJ). A decisão foi proferida pelo juiz Edison Ponte Burlamaqui, que rejeitou a ação movida pelos sobrinhos da escritora, Eliane de Almeida e Rubens de Lima, que buscavam transferir o material para a Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Publicada na última segunda-feira (16), a sentença reconheceu a prescrição do pedido de herança feito pelos familiares. O juiz destacou que o acervo foi doado ao terreiro pouco após a morte de Lélia pela própria sobrinha Eliane. Além disso, sublinhou a importância histórica do material e autorizou o acesso dos sobrinhos para fins de consulta, desde que não cause danos ao patrimônio.
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O acervo reúne manuscritos, documentos, retratos, objetos pessoais e toda a biblioteca de uma das intelectuais mais importantes do país no século XX, conhecida mundialmente por suas reflexões pioneiras sobre o feminismo negro e o racismo.
A maior parte do material está guardada em um sobrado de dois andares no terreiro, distribuída em duas salas contíguas. Na primeira sala, estão os livros, organizados em estantes de aço. Na segunda sala, encontram-se a escrivaninha, a máquina de escrever Olivetti Linea 98 cinza e o abajur africano de Gonzalez, dispostos para recriar seu ambiente de trabalho.
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Nesta mesma sala, em várias caixas de papelão e plástico, guardadas em um armário de aço, estão documentos, manuscritos e fotos de Gonzalez, além de recortes, panfletos e jornais que ela colecionou. Há papéis de grande valor histórico, como o documento datilografado que delineia a estratégia a ser seguida pelo Movimento Negro Unificado (MNU), do qual Gonzalez foi uma das fundadoras em 1978. O documento declara: "A exploração do negro é formada fundamentalmente pelo tripé = Exploração Econômica, Opressão Psicológica e Violência Policial. Nosso trabalho principal é a destruição desse tripé maligno."
O juiz pontuou: “Diante da importância da obra produzida por Lélia Gonzalez, não se impede que o centro religioso permita o acesso ao acervo, a fim de garantir a preservação de sua memória e o desenvolvimento de pesquisas históricas e científicas”.
Lélia Gonzalez foi uma das fundadoras do Movimento Negro Unificado (MNU) e do Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN), entidades fundamentais na organização e na articulação política da comunidade negra brasileira durante as décadas de 1970 e 1980. Ela defendia a necessidade de um feminismo que incorporasse as questões raciais, argumentando que a experiência das mulheres negras era distinta da das mulheres brancas devido ao racismo estrutural.
Em 2019, a ativista norte-americana Angela Davis ressaltou a importância de Lélia, afirmando que “aprende mais com Lélia Gonzalez do que vocês poderiam aprender comigo”. Nos anos 1970, Lélia foi monitorada pela ditadura militar, sendo classificada como “subversiva”. Até hoje, a produção intelectual de Lélia é uma referência crucial para estudos sobre raça, gênero e identidade no Brasil e no mundo. Sua luta e legado permanecem vivos, influenciando políticas públicas e movimentos sociais que buscam justiça e igualdade.