FREUD EXPLICA

Ódio, desinformação e pulsão de morte: o lado sombrio do bolsonarismo

A reação de apoiadores de Jair Bolsonaro à internação do presidente Lula é explicada pela psicanálise e pela psicologia social

O discurso de ódio bolsonarista..Apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro disseminam ódio e destruição pelas redes sociais. O pai da psicanálise, Sigmund Freud, explica essse fenômeno doentio.Créditos: Fotomontagem (Reprodução YouTube e Canva)
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Enquanto a notícia da bem-sucedida cirurgia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva traz alívio a aliados e seguidores, um cenário diferente se desenha nas redes sociais alinhadas ao bolsonarismo. 

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A internação de Lula para uma intervenção cirúrgica de emergência nesta terça-feira (10) trouxe à tona um fenômeno preocupante: a celebração da fragilidade humana como arma política. 

Nas redes sociais, a notícia foi combustível para desinformação e ataques de bolsonaristas que expuseram o nível alarmante de fanatismo político no debate público brasileiro.

Enquanto médicos confirmavam o bom estado clínico de Lula após a cirurgia, usuários bolsonaristas nas redes espalhavam desinformação, referindo-se ao episódio como um "derrame", termo popular para acidente vascular cerebral (AVC), algo que os profissionais de saúde descartaram. 

Entre as postagens mais comentadas, não faltaram danças, piadas e mensagens de ódio, algumas com desejos explícitos de sofrimento ao presidente.

Freud explica

A reação das hordas bolsonaristas à internação de Lula reflete uma dinâmica explorada pela psicanálise: a pulsão de morte, conceito introduzido por Sigmund Freud

Essa força inconsciente, que age em oposição às pulsões de vida, manifesta-se como uma tendência à destruição, seja direcionada ao próprio indivíduo ou projetada no outro.

A partir desse entendimento freudiano, em contextos de fanatismo político como o bolsonarismo, o "outro" deixa de ser visto como adversário e passa a ser tratado como inimigo. 

Essa desumanização justifica o regozijo diante do sofrimento alheio, transformando a doença em uma "vitória simbólica".

Ressentimentos ameaçam a democracia

A filósofa e psicanalista francesa Cynthia Fleury se destaca por suas análises sobre o ressentimento e suas implicações nas democracias contemporâneas. 

Reprodução Amazon

Em sua obra "Curar o Ressentimento: O Mal da Amargura Individual, Coletiva e Política", ela explora como a amargura e o ressentimento podem envenenar tanto a esfera pessoal quanto a pública, tornando-se uma ameaça significativa à democracia.

Em entrevista ao jornal argentino Clarín, em agosto de 2023, Fleury destacou que o ressentimento, quando utilizado como força motriz na política, resulta em violência e destruição, em vez de justiça.

"O ressentimento como motor da história nunca produziu justiça, apenas violência e destruição", disse.

Fleury também observa que o ressentimento é uma força sombria que pode afetar tanto indivíduos quanto o Estado de Direito, sendo crucial resistir à tentação de transformá-lo no propulsor de nossas histórias individuais e coletivas.

A filósofa alerta que, em tempos de intenso fanatismo político, o ressentimento pode levar à desumanização do outro, comprometendo a possibilidade de diálogo e construção coletiva, elementos essenciais para a saúde das democracias modernas.

Para Fleury, é imperativo que tanto indivíduos quanto sociedades identifiquem e diagnostiquem o ressentimento, resistindo à tentação de torná-lo o motor de suas narrativas pessoais e políticas. Ela propõe caminhos de sublimação, criação e cura para enfrentar esse desafio.

Leia aqui a entrevista em português.

Celebração da fragilidade alheia

A psicóloga social Miriam Abramovay, coordenadora do Programa de Estudos e Políticas sobre Juventudes, Educação e Gênero da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), avalia que a celebração da fragilidade alheia, especialmente em contextos políticos como o brasileiro, pode ser interpretada como uma projeção de angústias internas. 

Ela fez essa análise durante uma entrevista concedida ao Centro de Referências em Educação Integral, em março de 2023, no contexto do violento ataque contra a Escola Estadual Thomazia Montoro, na Vila Sônia, em São Paulo (SP)

Abramovay destacou que a escola muitas vezes se torna palco de violências devido à falta de programas nacionais de convivência escolar, o que evidencia a necessidade de políticas públicas voltadas para a melhoria do ambiente educacional. 

Essa análise pode ser estendida ao cenário político, onde a ausência de espaços de diálogo e compreensão mútua facilita a projeção de inseguranças internas nos adversários, resultando em desumanização e celebração do sofrimento alheio.

"A celebração da fragilidade do outro reflete uma projeção de angústias internas. É a manifestação de um desejo inconsciente de controle sobre aquilo que parece ameaçador ou diferente", explica Abramovay.

Leia aqui a entrevista na íntegra

Redes sociais: amplificadoras da pulsão de morte

A internação de Lula expôs mais uma vez o uso das redes sociais como palco para disseminação de discursos de ódio por bolsonaristas.

Após a divulgação do procedimento médico, grupos de apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro celebraram o ocorrido, disseminando mensagens agressivas e desinformação sobre o estado de saúde do presidente.

Mensagens que celebravam a internação de Lula, algumas sugerindo "justiça divina" ou ridicularizando sua condição, rapidamente ganharam espaço no X (antigo Twitter) e em outras plataformas.

Esse deplorável comportamento digital representa um perigo ao normalizar a desumanização de adversários políticos e reforçar a polarização.

Os discursos de ódio associados à polarização extrema não afetam apenas o ambiente digital, mas também ameaçam o tecido democrático. Essas manifestações enfraquecem o diálogo e criam um ambiente hostil à construção de consensos.

Ódio gera lucro para plataformas

Durante entrevista ao Jornal da USP, em março de 2023, o chefe da área de Liberdade de Expressão e Segurança de Jornalistas da Unesco, Guilherme Canela, destacou o caráter mercantil dos discursos de ódio.

"O ódio e a desinformação geram reações emocionais intensas, o que é rentável para as redes sociais, mas custa caro para a sociedade ao enfraquecer o diálogo e fortalecer a hostilidade coletiva", afirmou.

Leia aqui a entrevista na íntegra

Respostas institucionais e regulação

A internação de Lula ocorre em meio a discussões sobre a regulação das redes sociais no Brasil. Neste ano, o tema ganhou tração sob a liderança do presidente.

A proposta do governo é estabelecer regras claras para combater desinformação, discurso de ódio e outros conteúdos prejudiciais que circulam no ambiente digital.

O presidente Lula enfatizou, em diversos momentos, que a falta de regulamentação adequada contribui para o enfraquecimento da democracia e para a disseminação de informações falsas, como evidenciado durante a pandemia de covid-19 e nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023.

Engrossa a lista de exemplos da urgência do debate o fenômeno horrendo de bolsonaristas que celebram e distorcem a internação do presidente Lula. 

Em eventos recentes, Lula defendeu a criação de diretrizes globais, alinhadas aos princípios dos direitos humanos, como parte de uma agenda internacional liderada por instituições como a Unesco.

Propostas em discussão

O governo brasileiro propõe medidas como:

  • Transparência nas plataformas: Exigir que redes sociais revelem como algoritmos funcionam e como influenciam o consumo de informações.
     
  • Responsabilização das empresas: Plataformas poderiam ser responsabilizadas por conteúdos ilícitos caso não atuem para removê-los após notificação.
     
  • Proteção à liberdade de expressão: Medidas preventivas para evitar censura e garantir um equilíbrio entre controle de conteúdo e liberdade de opinião.

Reações bolsonaristas

A proposta enfrenta resistência de setores políticos, incluindo a oposição bolsonarista, que alega riscos de censura e interferência na liberdade de expressão (na verdade, de agressão). Empresas de tecnologia, como Meta e Google, têm mostrado preocupação com o impacto econômico e operacional de uma eventual regulação.

Próximos passos

O governo pretende enviar ao Congresso um projeto de lei consolidado até o início de 2025, buscando apoio para aprová-lo em um contexto de pressão internacional e discussões intensas sobre a regulação digital.

A questão reflete um debate global, no qual o Brasil busca protagonismo ao propor um modelo regulatório que possa servir como referência para outros países, equilibrando os direitos individuais e a proteção das democracias frente aos desafios impostos pelas redes sociais.

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