A série brasileira “Cangaço Novo” está cativando o público cada vez mais e já se tornou destaque internacional no streaming, ficando entre as top dez mais assistidas da plataforma Prime Video. Com referências em Lampião e Mad Max, a série utiliza uma linguagem mais contemporânea do novo cinema nordestino.
O que pode surpreender muitos é que a trama é baseada em uma história real, ocorrida entre as décadas de 1990 e 2000 no Brasil. Mas antes de contar essa história, vale relembrar o enredo que perpassa a série:
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O que conta a série “Cangaço Novo”?
“Cangaço Novo” narra a trajetória de Ubaldo (interpretado por Allan Souza Lima), um bancário de São Paulo que se transforma em cangaceiro após descobrir a herança deixada por seu pai biológico.
Neste drama do velho oeste brasileiro, Ubaldo, um homem com apenas fragmentos de memórias de sua infância, se reencontra com suas irmãs, Dilvânia (interpretada por Thainá Duarte) e Dinorah (interpretada por Alice Carvalho).
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Ele logo percebe como a vida delas é moldada pelos desafios estruturais do Brasil, incluindo a política e o crime organizado. Em uma tentativa de honrar o legado de seu pai biológico, Ubaldo assume o comando de uma gangue e assim arrebata o Nordeste.
Valdetário Carneiro, o precursor do novo cangaço
Foi inspirado em uma figura real, chamada Valdetário Carneiro, que os personagens Ubaldo Vaqueiro, interpretado por Allan Souza Lima, e seu pai, Amaro foram criados. Carneiro é considerado o precursor do novo cangaço, caracterizado por ataques a bancos em pequenas cidades realizados por quadrilhas fortemente armadas.
José Valdetário Carneiro nasceu em Caraúbas, no Rio Grande do Norte, e era um grande aficionado de Lampião. Ele até usava o mesmo tipo de chapéu de couro que seu ídolo. O cangaceiro foi responsável por pelo menos 100 ataques a bancos na última década do século 20, segundo a polícia local.
Valdetário Carneiro, apesar de sua notoriedade e dos impressionantes números de crimes associados a ele, sempre se defendeu vigorosamente contra várias acusações, insistindo que era vítima de injustiça. Uma dessas acusações era o roubo de um Ford Pampa, acreditavam que era um delito que ele teria cometido em conjunto com seu primo, Agnaldo Benevides Carneiro, apelidado de Galego.
Estsa acusação resultou em uma sentença de sete anos e meio de prisão para Valdetário. Além da pena de prisão, ele foi submetido a uma humilhação pública: foi amarrado em uma caminhonete que percorreu toda a cidade.
Na série do Prime, são retratadas cenas que ecoam essa experiência vivida por Valdetário. Os cangaceiros da trama recorrem a táticas semelhantes, amarrando os gerentes dos bancos ao capô de caminhonetes, sendo o ato audacioso uma estratégia para garantir uma fuga segura, evitando serem ameaçados pela população local ou alvejados pela polícia.
A série, portanto, não apenas entrelaça elementos de ação e drama, mas também reflete aspectos da realidade, proporcionando uma representação autêntica do novo cangaço.
Não muito tempo após sua prisão, Valdetário e Galego conseguiram realizar uma fuga. No entanto, a liberdade de Valdetário foi de curta duração, pois ele foi recapturado no dia seguinte. Como resultado, ele foi condenado a cumprir mais quatro anos e seis meses de reclusão na Penitenciária de Campina Grande.
Depois da prisão
Após sua libertação, Valdetário foi confrontado com outra acusação: o roubo de um carro e de R$ 13 mil em dinheiro vivo de uma fábrica em Mossoró (RN). Mais uma vez, o cangaceiro se defendeu, alegando ter sido injustiçado. Desconfiado da polícia, ele decidiu tomar a iniciativa e investigar o crime sozinho.
Em uma reviravolta surpreendente, Valdetário conseguiu localizar os dois ladrões responsáveis pelo roubo. Não apenas isso, ele os obrigou a devolver o dinheiro roubado às vítimas.
O ato de justiça fez com que Valdetário começasse a ser visto de forma diferente pela população. Ele passou a ser admirado e visto como um justiceiro, uma característica que é habilmente incorporada na trama de “Cangaço Novo”. Na série, o bando é retratado como heróis lutando contra o sistema, um eco da vida real de Valdetário.
Valdetário retornou à Paraíba em 1997 e confrontou Geraldo dos Santos, o comerciante que o havia acusado de roubar o Ford Pampa. Em um ato final de vingança, ele matou Geraldo.
Como Valdetário era visto pela polícia
Para as autoridades policiais do Nordeste, Valdetário era visto como um criminoso perigoso que precisava ser detido a qualquer custo. De acordo com as investigações, um dos seus atos mais violentos ocorreu em Macau, uma cidade próxima a Natal, no Rio Grande do Norte, em julho de 2002.
Naquela ocasião, Valdetário e seu bando realizaram o roubo de três agências bancárias e, em um ato de extrema violência, assassinaram o delegado a tiros. O crime gerou grande repercussão pública e, através de uma denúncia anônima, Valdetário foi preso em dezembro de 2003.
Posteriormente, ele foi morto a tiros. Valdetário tinha 44 anos na época de sua morte e seu funeral atraiu pelo menos 10 mil pessoas. Muitos dos presentes vestiam camisas estampadas com seu rosto, um tributo que demonstra o impacto que ele teve na vida das pessoas. Este aspecto de sua vida foi retratado no primeiro episódio da série “Cangaço Novo” através do personagem Amaro Vaqueiro.
A produção da série
Para enriquecer as performances e trazer autenticidade para a série brasileira, todo o elenco é composto quase inteiramente por atores nordestinos. Além disso, os atores passaram cerca de oito meses no sertão para se imergirem completamente no ambiente da produção.
A ideia foi construir personagens fortes, embora complexos, oscilando entre heróis e vilões e refletindo a ambiguidade da vida real por meio de uma narrativa única. Dirigida por Fábio Mendonça e Aly Muritiba, a série do Prime Video combina elementos de violência, paixões e conflitos políticos, além de revitalizar o nordestern, o western nordestino, e reverberar influências do cinema novo, como os filmes “Cidade de Deus” e “Bacurau”.