Adorava festa junina. Porquinho da índia na casinha. Pescaria. Argola. Tiro ao alvo. Bombinha, estalinho, buscapé. E as meninas sem o uniforme usual da escola, vestidas de caipira, sardinhas no rosto, marias chiquinhas. Chapéu de palha, saia rodada e alegria: Olha a chuva!, na quadrilha. É mentira!
Ainda mais uma festa junina específica. Iria dançar com a menina por quem era apaixonado. Tinha 10 anos. Não, onze. Talvez até doze. Mas ela não dava a mínima bola para ele, pensava. Conversavam apenas no recreio, ele sempre com o coração na boca, tímido, as bochechas vermelhas, a boca seca.
E chegou o dia da festa do colégio, a quadrilha, que dançaram juntos, e depois trocaram sorrisos, e... só, cada um pro seu lado. Queimou a frustração gastando o que tinha nos joguinhos. Ganhou um monte de trecos inúteis e um coraçãozinho de pelúcia, que não teve coragem de entregar a ela. Nada espantava a tristeza da quadrilha ter acabado e ele não dançar mais com ela... O balão japonês subiu e sumiu no céu com aquela quadrilha para sempre... Ah, Fátima!...
Emoção parecida só numa outra festa, um baile de Carnaval no clube, uns anos depois. A menina tinha um nome, era Priscila... peraí, Tábata, Úrsula, algum trissílabo por aí. Não era um nome usual. Nem ela era usual. Era baliza de uma banda, daquelas meninas que saem na frente com bastões e piruetas.
Mas não no Carnaval. Ela estava de havaiana, uma fantasia que deixava a barriga e o o umbigo dela de fora, e era uma barriga morena, dourada de sol, com uns pelinhos curtinhos e louros, que giravam em volta de um umbigo perfeito e profundo que o sugavam como um buraco negro consome tudo a seu redor, quando ela dançava.
Mas ela morava muito longe e o pai dela era lutador de boxe. Duas coisas que frearam o entusiasmo, ainda mais quando, um dia, o pai dela os flagrou na sala, ela no chão tentando escapulir, rindo, e ele a segurando pelo pé. Nem houve um soco: o olhar dele o colocou a nocaute.
Uma nova chance
Só se levantou em outro baile de Carnaval, no mesmo clube. Sua havaiana não apareceu. Era terça-feira, o último dia e ele ainda não havia beijado ninguém.
Havia duas meninas na mira. Pareciam irmãs. Uma um pouquinho mais alta e mais velha que a outra. Ambas lindas na lembrança. Já não se recorda mais das fantasias. Apenas que passavam por ele, naquelas voltas que as meninas dão pelo salão, enquanto os rapazes ficam no meio ou pelas bordas pescando.
A mais alta passava sempre do lado mais próximo a ele e o olhava. Mas elas iam juntinhas. Depois de passarem por ele, sorriam e conversavam alguma coisa, alegres.
Ele imaginava que falassem dele e ficava se contorcendo para decidir qual das duas. Preferia a menor, tinha mais o jeito dele, por algum motivo de que não se recorda hoje. Mas a outra era também uma beleza. Além do mais, era a mais audaciosa, a que o olhava e sorria, enquanto a outra olhava para a frente, só deixava escapar um rabo de olho, e depois sorriam como crianças com a brincadeira, naquela cumplicidade que têm as meninas quando jovens.
Apostou no que lhe pareceu o mais certo: a maior, que sempre olhava pra ele e sorria. Mas quebrou a cara. Ela olhava pela irmã, que era tímida como ele.
Resultado: ficou sem o beijo naquele Carnaval e com a mesma frustração daquela festa junina em que dançara quadrilha com a Fátima.
Frustração que só aumentou alguns anos depois, quando um amigo de colégio, já na faculdade, disse que tinha uma colega de turma que o conhecia. Como ele falou algo dele para ela, ela perguntou se aquele amigo não era assim, assim, e assado, e perguntou se aquele era seu nome.
Ele contou isso perguntando: você se lembra de uma Fátima? Ela disse que vocês dançaram quadrilha no colégio quando crianças. E que era louca por você e que mexeu os pauzinhos para que você fosse o par dela naquela quadrilha...
Ah, Fátima!...
O amor tem dessas coisas.