Considerada uma das maiores escritoras brasileiras do século XX, Carolina Maria de Jesus foi multiartista, cantora e escritora de contos, crônicas, letras de música e peças de teatro. Amplamente conhecida pela triste história em Sacramento, Minas Gerais, seu percurso migratório e, principalmente, pelos anos vividos na Favela do Canindé, Carolina enfrentou a fome, o machismo, o racismo, a inflação e a pobreza dos anos 60.
"Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada" é talvez uma de suas grandes obras sobre as questões de uma situação que ainda é uma realidade brasileira. Maria de Jesus buscava no lixo tanto alimento quanto papel para escrever seu diário, poemas e músicas. Essa luta também era para garantir o sustento de sua família: José Carlos, João José e Vera Eunice, seus três filhos.
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Carolina nasceu em 1914 em uma comunidade rural de Sacramento, em Minas Gerais, sofreu maus-tratos durante sua infância por um homem casado e aos sete anos, sua mãe a forçou a ir à escola quando a esposa de um fazendeiro rico ofereceu para pagar seus estudos no colégio Alan Kardec. No entanto, Carolina precisou interromper o curso no segundo ano, tendo aprendido a ler e escrever e desenvolvido um forte gosto pela literatura.
Nos anos 30, Carolina mudou-se para Franca, São Paulo, acompanhada de sua família. Inicialmente, trabalhou como lavradora e depois como empregada doméstica para ajudar a garantir o sustento. Após a perda de sua mãe, aos 23 anos mudou-se para a capital e trabalhou como faxineira na Santa Casa de Franca. Em 1947, a escritora se mudou novamente para São Paulo, na periferia do Canindé, próxima ao Rio Tietê. Chegou a passar fome e morar na rua.
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Escrita é resistência: “Quarto de Despejo”, uma das maiores obras da literatura brasileira
Não seria o diário “de uma favelada”, como diz o título e como muitos se referem a ela, mas um livro monumental escrito por uma mulher feminista negra da periferia, em busca de uma vida melhor e de um Brasil mais justo. O incômodo causado pelo próprio título é mais um reflexo da condição e dos preconceitos que ela enfrentava. Carolina encontrava luz em seus dias por meio das leituras no barraco e das anotações diárias em papéis avulsos, com um brilhantismo inigualável partindo do comum, dos problemas sociais e discutindo temas importantes para o país apesar de todas as barreiras, com "palavras simples", mas profundamente necessárias.
“…Eu escrevia peças e apresentava aos diretores de circos. Eles respondia-me: – É pena você ser preta. Esquecendo eles que eu adoro minha pele negra, e o meu cabelo rustico.”
“Quando eu encontro algo no lixo que eu posso comer, eu como. Eu não tenho coragem de suicidar-me. E não posso morrer de fome.”
“Eu classifico São Paulo assim: O Palácio é a sala de visita. A Prefeitura é a sala de jantar e a cidade é o jardim. E a favela é o quintal onde jogam os lixos.”
“Aniversário de minha filha Vera Eunice. Eu pretendia comprar um par de sapatos para ela. Mas o custo dos gêneros alimentícios nos impede a realização dos nossos desejos. Atualmente somos escravos do custo de vida. Eu achei um par de sapatos no lixo, lavei e remendei para ela calçar.”
Os escritos foram publicados na edição de 9 de maio de 1958 da Folha da Noite. O interesse da população pelas suas palavras e críticas foi notável, e no ano seguinte, os relatos da autora também ocupavam as páginas da revista O Cruzeiro. Sob a edição de Dantas e lançado em 1960, "Quarto de Despejo" tornou-se um best-seller, sendo traduzido para 13 idiomas e adaptado para o teatro e a televisão.
Em uma entrevista em 2021, a filha de Carolina e professora, Vera Eunice, lembra a reação de sua mãe ao receber o livro em mãos. "Quando ela recebe o livro 'Quarto de Despejo' impresso, ela coloca assim, no alto, eu lembro como se fosse hoje, e ela lê. Eu vi a felicidade no olhar dela - 'Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo'. Ela estava muito feliz porque tinha alcançado o objetivo dela", destacou emocionada.
Para Vera, a escrita de sua mãe é atemporal. “Nós estamos no século 21, esse livro é da década de 1940, 1937, e os problemas continuam vigentes porque a gente vê todos dias acontecerem essas coisas, essa discriminação, essa violência. Então, eu sempre digo que a Carolina de Jesus é uma escritora atual".
No mês da Consciência Negra, Carolina não é só mais uma autora, mas representa a importância da voz negra em um país dominado pelo protagonismo e cultura branca. Desde 1500, quando os primeiros escravizados chegaram ao Brasil, a voz negra nunca foi verdadeiramente ouvida, nem mesmo na Lei Áurea. Ela se junta a outras importantes figuras históricas da resistência negra, para desafiar esse estigma, levantando essa voz e quebrando o silenciamento.