Advogados de diversas especialidades concordam que Jair Bolsonaro pode ser responsabilizado judicialmente, caso não permita que sua filha Laura, de 11 anos, seja vacinada contra a Covid-19.
“Espero que não haja interferência do Judiciário. Espero. Porque minha filha não vai se vacinar. Deixar bem claro. Tem 11 anos de idade”, declarou o presidente, nesta segunda-feira (27).
O governo federal vai realizar uma consulta pública sobre a decisão da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que autorizou a imunização na faixa etária de 5 a 11 anos com a vacina da Pfizer. O anúncio sobre a decisão será no dia 5 de janeiro.
“A vacinação de crianças de 0 a 12 anos, quando recomendada pelas autoridades sanitárias, como a Anvisa, é obrigatória. Os pais, mães e responsáveis que não levarem seus filhos para vacinar, ou impedirem a vacinação, podem responder por infração administrativa prevista no artigo 249 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)”, afirma o advogado Ariel de Castro Alves.
Especialista em direitos humanos, membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e ex-integrante do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), Ariel destaca que “pais, mães ou responsáveis, que descumprirem essa determinação, não autorizarem ou impedirem a vacinação, podem responder, ainda, pela infração de descumprimento do poder familiar, prevista no ECA, além de processos de suspensão ou perda do poder familiar por negligência, perante as varas da infância e juventude. Ou, também, podem até responder criminalmente por maus-tratos, já que a vacinação é considerada ‘cuidado indispensável’”.
O pai tem obrigação de cuidar da saúde dos filhos com os melhores recursos disponíveis pela ciência, aponta Pedro Serrano
O advogado e professor de Direito Constitucional, Pedro Serrano, ressalta que, nesse caso, há uma dimensão constitucional que é o dever da paternidade.
“O pai tem obrigação de cuidar da saúde dos filhos com os melhores recursos disponíveis pela ciência. Evidentemente que uma pessoa que mora em um lugar ermo, sem muita condição de acesso, não pode ser responsabilizada por, eventualmente, não tomar alguma medida de proteção à saúde dos filhos”, explica.
Mas, nesse caso, em uma decisão deliberada de não vacinar os filhos, como afirmou Bolsonaro, se caracteriza uma ilegalidade. “A lei ordinária vai sancionar, que é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece punições”.
“Diante disso, acho que ele incorre em uma conduta ilícita, quando não vacina a filha. A mera declaração não quer dizer, necessariamente, que vai incorrer nessa conduta, porque ele vive mudando de opinião. Atitude punitiva sempre é a última razão do sistema jurídico. Mas, se ele insistir em não vacinar a filha menor, estará sujeito a sanções”, afirma Serrano.
O jurista acrescenta que Bolsonaro não compreende que a situação de paternidade implica em agir mais por dever do que por prerrogativa.
“Aliás, ele também não compreende isso quando exercita a presidência da República, onde ele deveria ter como dever ter adotado outro tipo de política pública na pandemia. Não por uma escolha dele, mas como um dever”, avalia.
“Então, ele parece ter uma compreensão despótica do que é a função de governo e do que é a paternidade. E pode sofrer sanções pelas duas condutas: pelo que deixou de fazer e deveria fazer na pandemia e pelo que está pretendendo deixar de fazer em relação à filha, caso ainda sustente esse ponto de vista”, completa Serrano.
Marcelo Uchôa também observa ilegalidade na intenção de Bolsonaro
O advogado Marcelo Uchôa, que integra a rede de juristas pela democracia, também destacou, via Twitter, que Bolsonaro pode ser responsabilizado judicialmente por não vacinar a filha Laura.
“Bolsonaro não irá vacinar filha de 11 anos. Só digo três coisas: 1. ECA (Lei 8069/90) - Art.14, §1º: É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. 2. Anvisa aprovou vacina para crianças. 3. Ciência destaca imperiosidade da imunização”, postou.
Ariel de Castro Alves lista o que diz a lei sobre a questão:
Art. 14. O Sistema Único de Saúde promoverá programas de assistência médica e odontológica para a prevenção das enfermidades que ordinariamente afetam a população infantil, e campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos.
Parágrafo único. É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias.
§1º - É obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 13.257, de 2016).
Art. 249. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Lei 12.010, de 03/08/2009, art. 3º (Nova redação ao caput. Substitui a expressão [pátrio poder] pela expressão [poder familiar]. Vigência em 02/11/2009).
Redação anterior: [Art. 249 - Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutelar:
Pena - multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.
CP - Decreto Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940.
Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina:
Pena - detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
§ 1º - Se do fato resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena - reclusão, de um a quatro anos.
§ 2º - Se resulta a morte:
Pena - reclusão, de quatro a doze anos.
§ 3º - Aumenta-se a pena de um terço, se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (catorze) anos. (Incluído pela Lei nº 8.069, de 1990).