Escrito en
COLUNISTAS
el
[caption id="attachment_136834" align="alignnone" width="1024"] Foto: Divulgação[/caption]
Volta e meia ouvimos a afirmação de que o uso de palavrões denota pouca familiaridade com a língua, deficiência moral e de instrução. Seria o palavrão, segundo seus críticos, a degradação falada, a deterioração linguística, a ruína do vernáculo e das famílias.
Ledo engano. No palavrão está a síntese perfeita, a expressão intraduzível. Ponha de lado as réguas morais e verás a poesia original que há nele. Um soneto se cria com certo esforço, uma crônica com qualquer tema se faz. Entretanto, para gerar um palavrão é preciso décadas, séculos de interações sociais a ferver o caldo de cultura. Acrescente à receita senso de escrotidão e fartas poções de genialidade, pronto; temos o insulto lapidado, o impropério rotundo.
Há quem lhe faça justiça.
Em Maragogipe, no Recôncavo Baiano, palavrão é coisa séria. Durante as festividades em homenagem ao padroeiro da cidade, após a lavagem das escadarias da Igreja Matriz de São Bartolomeu, os participantes honram uma tradição secular e entregam-se desabridamente aos palavrões.
O espetáculo é encantador. Senhoras sexagenárias, moços, todos irmanados xingando com uma ternura que só vendo. Naquele momento, a juventude une-se à maturidade, tendo o palavrão de argamassa e São Bartolomeu como testemunha.
É lindo.
Os que advogam contra essas expressões necessitam vivenciar a experiência. Quem sabe assim compreendam o que já deveria ter-lhe saltado aos olhos. O turpilóquio é um avanço civilizatório.
Não, longe de mim defender que se distribua palavrões aos milhares, como se fossem Medidas Provisórias. Não devemos vulgarizar esse instrumento da vontade humana, sob pena de enfraquecê-lo. Tampouco recomendo doses homeopáticas. Que se diga conforme a necessidade de cada um, mas nunca em vão, exceto nos jogos de futebol. E jamais sem paixão.
A saúde coletiva não é brincadeira.
Os enfartos se multiplicariam e as doenças nervosas se reproduziriam como coelhos, com graves consequências para o sistema público de saúde. Há quem confie nas propriedades tranquilizantes do maracujá e da camomila. Deveriam experimentar, ao menos uma vez na vida, declamar toda sorte de impropérios. Assim, fazendo uso do método empírico, sentiriam os efeitos terapêuticos.
Ao chefe, ao colega falso, o vizinho chato, o namorado ciumento, à esposa, ao marido, ao desconhecido que furou a fila; ao governo.
É preciso dizer palavrões para não morrer.
É necessário xingar para manter a alma sadia, livre de mágoas. Mas não basta dizê-los. É imperativo que se pronuncie a imoralidade de peito aberto. Um palavrão dito com voz mansa é incapaz de fazer surtir os efeitos desejados, e diminui o seu poder. Segundo a doutrina dos insultos, também pode ser dito espaçado, sílaba por sílaba, sempre audível.
Admite-se a tentativa de palavrão, mas a isso damos o nome de covardia. Não há meio termo. Falamos o palavrão ao mundo por meio de um intermediário que recebe a ofensa e a guarda para repassá-la adiante. Ao interceptar o palavrão que estava à boca, quebra-se a corrente. Rompe-se o pacto da sinceridade e um tanto de raiva escapole, contaminando a humanidade inteirinha.
Por isso xingue, antes que seja tarde.