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"As opressões de gênero e raça são estruturais e estruturantes. O que significa dizer que ter gênero e raça como pilar de construção programática e de ação política é construir e disputar hegemonia e um projeto radical de poder". Leia mais no novo artigo da colunista Juliana Borges
Por Juliana Borges*
E se inicia um novo ano. Sem perder a tradição, todo começo do ano paro para refletir e tentar me impor um certo planejamento, estabelecer objetivos e desejos para o que considero um ciclo renovado. E o que desejo para 2018?
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Bem, em 2017, “Feminismo” foi escolhida a palavra do ano. De fato, as mulheres marcaram o ano todo que passou. Desde a Women’s March, passando pelo 8 de Março contra as reformas conservadoras de Temer, o Ni Una a Menos, mobilizações e certos avanços no mundo árabe, denúncias e ações contra o assédio e a violência no mundo do cinema e nos transportes públicos, atos que barraram a reação conservadora em direitos reprodutivos e contra a violência que consideramos básicos, etc. É inegável, portanto, que a escolha da palavra não foi por acaso.
E as palavras não são vazias de sentido. Língua é poder. O que significa dizer que língua e linguagem e seus elementos constitutivos não são neutros e que, pela segunda, a linguagem, que são expostas ideias, construções e reproduções de visões de mundo. E, desde a antiguidade, nomear significa dar existência e sentido. Por isso, falar mais de “feminismos”, repetir a palavra é sempre coloca-la em outro plano de possibilidades de construção. E os meus desejos para 2018 tem muito a ver com isso.
Este é um ano de muita importância. Teremos, não apenas em nosso país mas em vários países latinos, eleições. Diante do que temos visto de avanços conservadores, os feminismos continuarão com agenda intensa. Os desafios serão imensos de como, por exemplo, transformamos esta crescente representatividade em representação política nos legislativos. Se considerarmos o enfraquecimento brutal de nossa democracia, retomá-la significa defender radicalmente uma democracia participativa e representativa em diversidade. E meus desejos, nada simples, são:
1. Se “feminismo” foi a palavra de 2017, que “Feminismos na Política” seja a frase de 2018. Não há dúvidas da representatividade dos movimentos e ativismos feministas em crescente em nosso país. Então, que lutemos contra a maré que indica que, a cada ano, votamos menos em mulheres. É preciso que nossa força das ruas tome a agenda legislativa, porque é lá que muito de nossas vidas é decidido. Já pensou em uma candidata e no programa político que ela deve defender para ter o seu voto este ano?;
2. Um desejo sincero para que uma parcela da esquerda, absorta em tradicionalismos e leituras enviesadas do que pouco conhece, compreenda que não há mais volta. As opressões de gênero e raça são estruturais e estruturantes. O que significa dizer que ter gênero e raça como pilar de construção programática e de ação política é construir e disputar hegemonia e um projeto radical de poder. Perder-se na baixa e vil desqualificação como “identitarismo” só fará com que esquerdomachos sejam cada vez mais desmascarados e que quem dormir no ponto fique para trás. Não há transformação real sem mulheres, negros, lgbt’s e indígenas em nosso país e no mundo. E, como bem lembram Angela Davis e Judith Butler, se há alguma resistência sendo construída diante da última barreira do capital que são os corpos, esta resistência está nestes ativismos e movimentos;
3. A compreensão da urgência e emergência do Feminismo Negro para mudanças estruturais na sociedade brasileira. Ainda relembrando Angela Davis: “Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela”. Mulheres negras recebem 30% do salário de um homem branco exercendo a mesma função, estão nos piores e mais precarizados postos de trabalho, são a maioria da população feminina brasileira, morrem mais cedo do que mulheres brancas, são mais assassinadas e estupradas. Meu desejo é para que compreendam que se há pensamento transformador radical sendo construído, ele está emergindo da luta de mulheres negras;
4. O desejo pelo fim da guerra às drogas e por uma política de desencarceramento. O Brasil é, hoje, o 3º país que mais encarcera no mundo, ficando atrás de EUA e China. Enquanto os EUA estão mantendo as taxas e a China diminuindo as taxas de encarceramento, nosso país está em ascensão. A guerra às drogas é uma guerra contra negros e negras, contra comunidades inteiras que são militarizadas e vivem em completo Estado de Exceção com abusos, torturas e todo o tipo de violência. De 2006 a 2016, tivemos um aumento de mais de 560% no número de mulheres em situação prisional. 50% delas não havia completado o ensino fundamental; 50% tem entre 18 e 29 anos; 62% estão presas por tráfico, sendo que entre estes, mais de 50% cumprem pena de até 8 anos, o que demonstra o aprisionamento como única solução para pequenos delitos; 48,8% são mães com filhos em idade média de 9 anos, o que significa que elas poderiam estar cumprindo prisão domiciliar na maioria dos casos; e 68% são negras. Mas mais do que dados e números, estamos falando de pessoas e de uma visão punitivista e violenta de mundo. Precisamos vencer o mito de nação acolhedora e pacífica e compreendermos a violência no cerne da sociedade brasileira para que a combatamos com mais restauração e reconciliação do que reprodução e retroalimentação dessa violência;
5. Por fim, o fortalecimento da Democracia. Estes desejos, que poderiam ser muitos outros, só são possíveis em um sistema democrático. Mas não em uma compreensão fechada de que democracia seja apenas o exercício do voto. Democracia é muito mais do que isso. É o exercício pleno de cidadania, de direitos, de possibilidade da diferença como diversidade e potencialidade e não como desigualdade. Precisamos radicalizar a democracia e compreender, como aponta Boaventura de Sousa Santos, que socialismo é democracia sem fim. Este é um desejo e desafio imenso para as esquerdas. Compreender que o pensamento único e o hegemonismo sempre foram vertentes preferenciais da direita e de suas elites. Reproduzir esta forma, esta ideologia é totalmente contra ideais radicalmente igualitários, não no sentido homogenizador de igualdade, mas no sentido de compreender que direitos, exercício cidadão e de poder com decisão são para todos, todas e todes e que isso só é possível na diferença como elemento enriquecedor de processos e que devem ser respeitados.
Eu poderia escrever muito mais sobre desejos para 2018, e já compreendo que estes poucos elencados nem dão conta do ano. Mas é sempre preciso construir práticas políticas, como sempre me repete um companheiro, “sem perder de vista o horizonte utópico”. Que a gente construa em direção a utopias e que elas sejam cada vez mais renovadas. Feliz 2018 de lutas!
*Juliana Borges é pesquisadora em Antropologia na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, onde cursa Sociologia e Política. Foi Secretária Adjunta de Políticas para as Mulheres da Prefeitura de São Paulo (2013)
Foto: Vinicius Martins / Alma Preta