TECNOLOGIA

América Latina: o que especialistas esperam das tecnologias de Inteligência Artificial

O principal ponto é fazer com que as novas tecnologias gerem valor aos países do continente ao invés de transformá-los em meros produtores de dados

Inteligência Artificial - Ilustração.América Latina: o que especialistas esperam das tecnologias de Inteligência ArtificialCréditos: Pixabay/Wikimedia Commons
Escrito en TECNOLOGIA el

Ao longo da última semana mais de 100 especialistas de toda a América Latina se reuniram em Montevidéu, no Uruguai, para o Encontro Latino-Americano de Inteligência Artificial – KHIPU 2023, onde foi debatido o papel das novas tecnologias no continente. Os debates geraram a Declaração de Montevidéu sobre Inteligência Artificial, documento que coloca as principais diretrizes da comunidade científica sobre o tema.

O principal caminho a ser seguido, segundo os cientistas, é o de garantir que as novas tecnologias sejam postas a serviço das pessoas, não como forma de destruir empregos ou propagar discursos de ódio. De acordo com o documento, a implementação dessas tecnologias deve ter como elemento fundamental a mitigação de riscos e impactos que o advento tecnológico possa trazer em termos trabalhistas e sociais.

O chamado busca fortalecer a soberania dos países da região, e introduz discussões acerca de questões estratégicas e regulatórias sobre Inteligência Artificial. O principal ponto é fazer com que as novas tecnologias gerem valor à América Latina, ao invés de transformar seus países em meros produtores de dados.

“A importância de avançar políticas públicas que garantam um desenvolvimento claro e transparente dessas tecnologias, sem bloquear seu desenvolvimento, mas comunicando honestamente à população os riscos e os limites da inteligência artificial, também foi destacada. No momento, a maioria dos países não tem uma estratégia definida, o que deixa a população vulnerável a usos problemáticos, como o risco representado pelo uso de tecnologias de reconhecimento facial em espaços públicos, presente em várias cidades da região”, diz trecho da nota oficial do Encontro.

Entre os principais nomes internacionais que assinam a declaração estão cientistas pioneiros no desenvolvimento da Inteligência Artificial como Peter Norvig, Stuart Russel e Moshe Vardi. Com eles, uma série de nomes correspondentes de toda a América Latina. Entre os brasileiros, se destaca Sandra Ávila, da Unicamp.

Leia na íntegra a Declaração de Montevidéu sobre Inteligência Artificial

Nós, abaixo-assinados, inicialmente reunidos por ocasião do Khipu – Encontro Latino-Americano de Inteligência Artificial - estamos cientes do potencial produtivo dos sistemas de inteligência artificial, bem como dos riscos associados ao seu crescimento irrefletido. Em nosso papel na pesquisa e desenvolvimento destes sistemas, afirmamos que:

- As tecnologias em geral e os sistemas de Inteligência Artificial (IA) em particular devem ser colocados a serviço das pessoas. A melhoria da qualidade de vida, das condições de trabalho, das condições econômicas, da saúde e do bem-estar geral devem ser nossa prioridade.

- A implementação da IA deve obedecer aos princípios orientadores dos direitos humanos, respeitar e representar diferenças culturais, geográficas, econômicas, ideológicas, religiosas e outras, e não reforçar estereótipos ou aprofundar a desigualdade.

- Desde seu projeto, a IA não deve prejudicar as pessoas e seu impacto ambiental deve ser minimizado. A avaliação e mitigação de riscos e impactos deve ser parte do processo de desenho e devemos implementar instrumentos para prevenir, detectar antecipadamente e até mesmo suspender a implementação de tecnologias cujos riscos são inaceitáveis.

- O impacto dessas tecnologias no emprego é uma questão incontornável. Uma melhoria na produtividade deve ter uma correlação direta com uma melhoria nas condições de trabalho e na qualidade do emprego, com atenção especial para as populações mais vulneráveis. Qualquer transformação do mercado de trabalho deve dar atenção prioritária ao problema do desemprego e da precariedade, com medidas proativas e eficazes.

- A diversidade cultural deve ser levada em conta nos processos de desenho e treinamento dos modelos de IA, pois o comportamento humano é moldado por diversos contextos. Caso contrário, há o risco de excluir e minimizar o patrimônio cultural latino-americano que reivindicamos.

- É urgente integrar plenamente as particularidades das culturas latino-americanas na criação de tecnologias de IA para a região; uma criação projetada para e com os latino-americanos, valorizando sua participação em pesquisa e desenvolvimento, e não apenas como meros produtores de dados brutos ou anotações manuais com baixo valor agregado.

- É imperativo fortalecer a soberania dos países latino-americanos no que diz respeito às questões estratégicas e reguladoras da IA. Os esforços no treinamento de alto nível de pessoas e no desenvolvimento do pensamento crítico, como Khipu, são cruciais para esse objetivo.

Propomos desenvolver critérios e normas que nos permitam qualificar estas tecnologias de acordo com seus riscos de forma clara e transparente, a fim de avançar em políticas públicas que protejam o bem comum sem obstruir os benefícios do desenvolvimento tecnológico. A partir da concepção de uma solução tecnológica baseada em IA, e não depois de criada, devemos nos perguntar que valor social ela traz e os riscos que implica, com uma visão informada das idiossincrasias latino-americanas. Também é necessário analisar e comunicar honestamente suas limitações, sem exagerar suas capacidades ou fazer promessas improdutivas. Não há valor social nas tecnologias que simplificam as tarefas de algumas pessoas, ao mesmo tempo em que geram altos riscos para a dignidade de muitas outras, limitando suas oportunidades de desenvolvimento, seu acesso aos recursos e seus direitos.