No início de março, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) respondeu com ironia às denúncias de abusos e mortes cometidas por policiais militares na “Operação Escudo”, formalizadas pelo Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU).
“Nossa intenção é proteger a sociedade. Nós estamos fazendo o que é correto, com muita determinação e profissionalismo (...) Sinceramente, eu tenho muita tranquilidade com relação ao que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça, no raio que o parta que eu não estou nem aí”, declarou o governador.
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De acordo com a denúncia apresentada pela Conectas Direitos Humanos e a Comissão Arns à época, “registros oficiais do Estado indicam que as mortes em decorrência de intervenção policial subiram 94% no primeiro bimestre de 2024. Esse é o resultado de uma ação deliberada do atual governador, Tarcísio de Freitas, que vem investindo na violência policial contra pessoas negras e pobres”, destacou o documento. O número de pessoas mortas por policiais militares em serviço na Baixada Santista, por exemplo, mais que quintuplicou nos dois primeiros meses deste ano.
Nesta terça-feira (3), Tarcísio enfrentou novas críticas relacionadas à política de Segurança Pública de sua gestão, em meio a uma sequência de episódios de letalidade policial nas últimas semanas, e só agora disse que policiais militares serão investigados e os responsáveis "rigorosamente punidos".
Dois casos de violência policial ganharam repercussão nesta segunda-feira (2). No primeiro, um policial militar, com o apoio de outros três agentes, jogou um homem de uma ponte em um rio no bairro Cidade Ademar, na Zona Sul da capital paulista. A ação criminosa foi capturada em vídeo.
No segundo caso, um policial militar à paisana atirou pelas costas e matou um jovem negro que havia furtado quatro pacotes de sabão em uma loja de conveniência Oxxo, no Jardim Prudência, também na Zona Sul de São Paulo. Embora o homicídio tenha ocorrido em 2 de novembro, as imagens das câmeras de segurança, que reforçam a denúncia da família de que a vítima foi executada, só se tornaram públicas nesta terça-feira (3).
O que diz o governo de São Paulo
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) informou que policial militar que executou o jovem negro por futrtode sabão foi afastado de suas funções e que o caso segue sob investigação pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
“Familiares da vítima foram ouvidos e diligências estão em andamento para identificar e qualificar a testemunha que esbarrou na vítima durante sua fuga do estabelecimento comercial, momentos antes de ser alvejado. A Polícia Militar acompanha as investigações, prestando apoio à Polícia Civil. Caso as apurações apontem para a responsabilização criminal do policial militar, medidas administrativas serão adotadas, incluindo a possibilidade de processo disciplinar que poderá resultar na sua exclusão da Instituição", diz comunicado.
Números da violência policial em SP
O relatório “O Estado Dos Direitos Humanos no Mundo”, divulgado pela Anistia Internacional em abril deste ano, mostrou que a maioria das vítimas em operações e abordagens policiais pertence a comunidades negras e periféricas.
O texto ressaltou que as operações policiais fortemente armadas orientadas para a “guerra às drogas” nas favelas e bairros marginalizados resultaram, além do alto número de mortes, em outras violações dos direitos humanos, como invasões ilegais, destruição de propriedades, tortura, outros maus-tratos, restrições à liberdade de circulação, desaparecimentos forçados e suspensão de serviços essenciais, como escolas e centros de saúde.
A organização, em parceria com o Conselho Nacional de Direitos Humanos e outras entidades, documentou 11 casos de violações graves dos direitos humanos realizadas por agentes do Estado na Operação Escudo durante o governo Tarcísio, incluindo execuções extrajudiciais, entrada ilegal em residências e tortura.
Dados levantados pelo Instituto Sou da Paz, divulgados pela Folha de S.Paulo, mostraram que a polícia paulista cometeu 78% mais assassinatos no comparativo entre os dois períodos. Uma em cada 3 vítimas é negra. Segundo o instituto, nos primeiros oito meses de 2024, 441 pessoas foram mortas pela polícia no Estado. No mesmo período do ano passado foram 247 mortos.
Dos mais de 400 assassinatos, 283 foram de pessoas negras e 138 de brancos - outras 20 tiveram a raça ou cor ignoradas nos documentos pela polícia. No mesmo período do ano passado, foram mortos 154 negros e 87 brancos. Os negros são maioria nos assassinatos conduzidos pela polícia mesmo representando 41% da população paulista.
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