O caso das torturas e maus-tratos sistemáticos contra crianças pequenas matriculadas na escola infantil Pequiá, na Zona Sul de São Paulo, vai ganhando novos detalhes a cada dia que passa. Nesta terça-feira (27) foi a vez de uma professora que trabalhou na escola entre 2015 e 2016 relatar a sua experiência no local para a imprensa. Ela não teve o seu nome divulgado.
A docente trabalhou por dois anos na escola cujos donos agora estão foragidos por conta das acusações. Afirmou que já naquele período presenciava diversos abusos e que pediu demissão da escola por não suportar mais observar as condutas, uma vez que se sentia impotente para fazer algo a respeito.
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“Costumavam bater na cabeça das crianças e apertar as mãos ou os dedos até a criança falar ou fazer o que eles queriam”, disse a professora à Band.
Ela também relatou que o próprio cardápio escolar, quando mostrado aos pais, era impecável. Recheado de verduras, frutas e alimentos de todo tipo. Mas o marketing não acompanhou o cotidiano. Segundo a professora, todos os dias eram servidos carne moída ou salsicha requentados. Mas pior ainda, nem todas as crianças teriam o direito de se alimentar.
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“As crianças que tinham inadimplência na matrícula não recebiam a refeição, colocavam elas na mesa mas não davam a comida. Quando eles não estavam perto, a gente dava. São perversos, gostavam e tinham prazer em judiar das crianças”, revelou.
“Como a mãe de uma criança de 2 anos estava inadimplente, o diretor da escola servia todas as crianças no refeitório, menos essa menina. Ele também já obrigou uma criança a comer o próprio vômito. Ele pendurava os meninos em um portão de grade como forma de castigo”
Os foragidos
Eduardo Kawano e Andrea Carvalho Alves Moreira são os donos da escola que estão foragidos. Segundo a ex-funcionária nenhum deles era formado em pedagogia. O casal teria vendido uma pizzaria em 2012 para comprar a escola. Para fazê-la funcionar, usariam os nomes de outros profissionais para resolver trâmites burocráticos, enquanto seriam eles próprios, sem formação, que cuidariam das crianças no dia a dia.
Kawano e Moreira tiveram a prisão preventiva decretada pela Justiça de São Paulo na última segunda-feira (26). Já são duas professoras de épocas diferentes e uma dezena de pais que denunciam os abusos por parte dos gestores da escola infantil Pequiá. Os casos de tortura e maus-tratos contra as crianças remontam de 2015 e chegam ao tempo presente.
A escola passou a ser investigada no último dia 15 de junho, quando a professora Anny Garcia Junqueira, que trabalha na instituição nos dias atuais, denunciou as práticas aos pais e às autoridades. Até agora a polícia já ouviu 14 testemunhas. Quase todas as oitivas foram com pais de alunos, incluindo a mãe do menino amarrado ao poste em setembro de 2022.
“As crianças torturadas não tinham lesões porque foram submetidas a violência psicológica. Ele [Kawano] foi descrito como o mais violento. Ela [Moreira] costumava gritar e xingar os alunos. É triste, revoltante e bizarro”, declarou o delegado Fabio Darré, responsável pelas investigações.
O caso segue sob investigação e a pena para tortura contra crianças é de até 8 anos de prisão. Eduardo Kawano e Andrea Carvalho Alves Moreira negam as acusações e alegam inocência.
A denúncia da professora
A pequena escola Pequiá, localizada no tradicional bairro do Cambuci, próximo ao centro de São Paulo, parecia ser uma instituição de educação infantil segura e profissional como outra qualquer. Mas a professora Anny Garcia Junqueira notou algo estranho e então tudo mudou. Hoje, os diretores da instituição estão foragidos por praticarem torturas contra as crianças.
As cenas de terror, humilhação, falta de traquejo e maus-tratos contra as crianças falaram mais alto do que o medo de uma demissão ou de ser desacreditada publicamente. E assim, revoltada com o que via, a professora começou a traçar uma estratégia para registrar os maus-tratos.
Uma foto tirada às escondidas pela professora mostra um menino amarrado a um poste pela blusa que vestia. Um vídeo divulgado para a imprensa mostra uma segunda situação, em que um outro menino é humilhado na frente dos amigos porque deixou aquela gotinha de xixi escapar. Um terceiro registro mostraria a dona da pré-escola aos berros com uma menina de 1 ano de idade.
“Até em questão de xixi elas eram punidas, de ficar o inteiro com as necessidades na roupa, no caso da criança que fica sentada na caixa. Eram punidas por qualquer motivo”, disse a professora. Segundo seu relato, sempre que algo desagrava os donos, era o momento que as punições, humilhações e até agressões eram impostas às crianças.
Com os registros em mãos, a professora então os revelou a alguns pais. E a informação foi circulando ao longo da comunidade escolar. À imprensa, uma mãe declarou ter ficado “horrorizada” com as imagens: “Chorei, chorei, não podia acreditar que acontecia isso”, declarou.
Relatos dos pais
Mães, pais, responsáveis e professores começaram a fazer denúncias após o material da professora circular. Ao todo, 3 boletins de ocorrência foram registrados, o que fez com que a Polícia Civil pedisse a prisão temporária dos diretores e autorização para executar mandados de busca e apreensão.
Em um trecho do boletim de ocorrência, uma mãe relata que o filho chegou em casa contando que viu o dono da escola agredir uma outra criança na cabeça por ter urinado nas calças. O mesmo menino ainda contou que em outra data o diretor colocou o aluno em questão vestindo apenas fraldas diante dos colegas. Crianças relataram aos pais a existência de uma “sala escura” para onde eram levadas como punição.
Outra mãe, de 34 anos, do menino que foi amarrado a um poste, diz que o filho precisa de atendimento psicológico após ter sido submetido pela tortura flagrada em fotografia. Ela diz que sentiu muita dor, por não poder estar ali presente, impossibilitada de protegê-lo.
A imagem foi gravada em setembro do ano passado, mas a mãe só teve acesso no dia 15 deste junho de 2023, quando um dossiê com diversas imagens de maus-tratos e torturas foi encaminhado às autoridades e aberto seu acesso à comunidade de pais. A mãe ainda relatou que trocou o menino de escola neste ano e que ele apresentou mudanças no comportamento.
“Ficou agressivo com os coleguinhas e passou a desrespeitar os professores, como se esperasse ter algum tipo de punição. Eu paguei a mensalidade em uma escola para que o meu filho fosse torturado. Ele passou por algo que vai ficar marcado para sempre na vida dele”, disse.