SÃO PAULO

Ela teve um apagão no metrô há 2 anos, acordou sem a perna e não se lembra do que aconteceu

Produtora de 25 anos nega tentativa de suicídio, conforme registrado em boletim de ocorrência pelo Metrô, e agora tenta se readaptar à vida

Bianca Rocha, 25 anos.Ela teve um apagão no metrô há 2 anos, acordou sem a perna e ainda não se lembra do que aconteceuCréditos: Reprodução /Redes Sociais
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Imagine que ao final de uma jornada em que se trabalhou e encontrou com amigos, algo corriqueiro na vida de qualquer um, uma pessoa entre em uma estação de metrô com o objetivo de voltar para casa, sofra um apagão e acorde embaixo de um vagão sem uma das pernas. Foi exatamente o que aconteceu em São Paulo, há dois anos, com a produtora de eventos Bianca Rocha, de 25 anos. Ela diz que até hoje não sabe o que aconteceu e nega que tenha praticado uma tentativa de suicídio conforme diz boletim de ocorrência registrado pelo Metrô.

A vítima, que apesar da dor costuma exibir um lindo sorriso nas redes sociais e luta para se readaptar à vida, afirma que à época estava fazendo planos que envolviam intercâmbio e treinos de Kung Fu. Em depoimento ao Uol, ela contou sua história em detalhes.

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O acidente ocorreu na manhã de 29 de agosto de 2021, um domingo. Diz que no dia anterior esteve até as 20h em Taboão da Serra, na Grande São Paulo, onde havia levado a colação de grau para uma formatura que estava produzindo. Ela conta que depois de deixar o local, quando já estava no metrô, lembrou-se do aniversário de um amigo e foi encontrá-lo.

Bianca tinha tido Covid-19 e sua quarentena acabara dias antes. Estava ansiosa para ver amigos e celebrar a vida, dessa maneira rumou para a zona leste da capital paulista, para a casa de um dos amigos, onde o aniversário era comemorado.

“Cheguei às 23h. Não era um festão, uma festa de arromba. Éramos eu, o aniversariante e mais meia dúzia. Eles tomaram cerveja, mas eu como eu tinha tido Covid-19 e não estava com o paladar em dia, não quis comer e nem beber nada”, contou a jovem que diz ter o costume de visitar amigos com certa frequência.

Bianca segue o relato afirmando que por ter chegado muito tarde ao local, e dada a carência de transporte público ao longo da madrugada em São Paulo, resolveu passar a noite na casa do amigo e retornar de manhã para casa, assim que o metrô abrisse. Na hora de voltar, passou por uma série de obstáculos.

Ela pegou um carro de aplicativo até a estação mais próxima, que estava em manutenção. Em seguida, tomou um ônibus da Operação Paese, oferecidos pelo metrô para fazer o caminho entre as estações quando ocorre uma situação semelhante. Subiu e desceu logo na estação seguinte, acreditando que estivesse funcionando. Não estava.

Cansada e querendo chegar logo em casa, tentou outro carro de aplicativo, mas não encontrou motorista. Decidiu então chamar um táxi. Mas a certa altura da Radial Leste, principal avenida da zona leste de São Paulo, se deu conta que a corrida estava ficando muito cara e pediu para descer em uma estação da linha vermelha. Dessa vez, encontrou a estação aberta, e precisaria ir até a Sé para fazer uma baldeação rumo à zona sul, onde mora. “Só me lembro de descer na Sé e pegar a escala rolante”, disse.

O apagão

Bianca afirma que se lembra apenas de acordar embaixo de um vagão, sem saber exatamente o que havia acontecido. “Estava de barriga para baixo, deitada em um lugar muito escuro e não enxergava nada, apenas feixes de luz que passavam entre o vão e a plataforma. Como vestia preto [produtores de eventos geralmente usam roupas pretas quando estão trabalhando], imaginei que estava no trabalho mas não conseguia puxar na minha memória o local onde eu estava”, declarou.

Nada parecia fazer sentido. Bianca contou que teve flashes de memória, de quando ainda cursava a faculdade e tomava o metrô na estação Ana Rosa. Ela se recordou de um episódio em específico, no qual o auto-falante avisou que havia um usuário na via. Ela se indagava se seria ela, dessa vez, a usuária que estava na via.

“Comecei a ouvir uma pessoa me chamando e ela falou: ‘Meu Deus, você está viva’. Senti uma onda de desespero imediata e tentei me levantar. Foi a pior dor da minha vida”, contou.

Ela diz que na chegada do resgate não sabia que estava presa às ferragens dos trens e que queria saber em que ano estava e o que acontecia, mas ficou com medo de acharem que estava louca. Ela relata que desmaiou assim que tentou levantar-se e que nas horas e dias subsequentes desmaiava e acordava sucessivamente por conta da dor.

Atendida na Santa Casa de São Paulo, passou por exames e foi direto para a sala de cirurgia. Foi a própria Bianca, com um toque do seu polegar, que assinou a autorização para amputar a perna. Sua mãe, avisada do acidente pelos socorristas que a atenderam ainda na estação, não conseguiu chegar a tempo ao hospital.

Lidando com a nova realidade

Bianca acordou no hospital dois dias depois da cirurgia ao lado da mãe, que estava em prantos. Ambas não sabiam detalhar o que havia acontecido. Ela passou mais duas semanas na Santa Casa para começar a se adaptar à nova condição.

Descobriu, em seguida, que era acusada de ter atentado contra a própria vida. O Metrô fez um boletim de ocorrência no qual alega que ela tentou o suicídio e estava sob o efeito de drogas. “Ficamos meses tentando as imagens da estação Sé, mas não conseguimos”, alegou.

Ela agora processa a Companhia do Metropolitano de São Paulo (Metrô), em ação que corre em sigilo. Sua advogada, uma especialista em responsabilidade civil, alega que só aceitou o caso após Bianca passar pela perícia de uma psicóloga independente que atestou não haver traços de desequilíbrio mental na sua personalidade.

“Não é porque uma pessoa é amputada que a vida acabou, mas a rotina precisa ser readaptada. Eu tinha um apego ao Kung Fu, era a única atividade física que gostava de fazer. A prótese me permite andar, mas para fazer esportes é mais complicado”, lamenta.

Bianca explica que desenvolveu pânico do metrô mesmo sem recordar o momento em que o trem a atropelou. Além disso, para driblar olhares de pena que disse ter passado a receber, começou a falar de maneira irreverente sobre a sua nova condição nas redes sociais.

“Comecei a fazer piada, chamar a prótese de Alastor. Preferi ir por esse lado. O que aconteceu comigo é horrível e não é fácil, mas não sou uma coitadinha”, concluiu.