MACHISMO E RELIGIÃO

Machonaria em crise: pastores denunciam fundador por desvio de R$ 500 mil

Movimento que se apresentava como “resgate da masculinidade bíblica” enfrenta acusações de má gestão, desvios e aparelhamento ideológico por parte de Anderson Silva, líder do grupo, pastor que orou para “Deus arrebentar a mandíbula de Lula”

Pastor Anderson Silva e Bolsonaro
Machonaria em crise: pastores denunciam fundador por desvio de R$ 500 mil.Pastor Anderson Silva e BolsonaroCréditos: Reprodução / Redes sociais
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A chamada Machonaria Confraria Nacional de Homens, divulgada como o maior movimento de masculinidade cristã da América Latina, mergulhou numa grave crise institucional. Em maio deste ano, 18 pastores anunciaram renúncia coletiva aos cargos que ocupavam na organização. O motivo, segundo o grupo, é a falta de transparência financeira e a conduta considerada “incompatível com os valores do movimento” por parte do presidente e fundador, o pastor Anderson Silva, de Brasília (DF).

A acusação mais grave é a de que Anderson teria desviado R$ 500 mil do hub social da Machonaria — braço da entidade responsável por 33 projetos sociais, dos quais apenas cinco seguem ativos. Os recursos, de acordo com os ex-líderes, vinham de eventos, vendas de produtos personalizados, cursos, rifas e doações. Apesar disso, os relatos apontam uma escalada de atrasos em salários, contas de energia, aluguéis e até ordens de despejo.

A denúncia foi apresentada pelo portal Metrópoles. “O que começou com pequenas pendências virou uma bola de neve. E sempre sem acesso às contas bancárias — movimentadas apenas pelo Anderson”, afirmou Radamés Morais, ex-vice-presidente da Machonaria, em entrevista ao portal. “Chegamos ao ponto de fazer rateios entre nós para pagar a luz.”

Apesar da arrecadação expressiva — apenas em 2023 foram mais de R$ 626 mil, segundo os pastores — os pagamentos pararam de ser feitos, e nenhum planejamento financeiro foi apresentado. “Tentamos diálogo. Pedimos uma reunião. Ele simplesmente saiu dos grupos da diretoria e se negou a prestar qualquer esclarecimento”, completou Radamés.

Moto rifada, mas não quitada

Entre os episódios mais polêmicos está a rifa de uma Harley-Davidson promovida por Anderson Silva em nome da Machonaria. Nas redes sociais, o pastor divulgava que os fundos da ação seriam destinados a “ajudar autistas e mães de autistas”. No entanto, a motocicleta, avaliada em mais de R$ 100 mil, não pertence legalmente a ele.

Segundo o ex-diretor administrativo da Machonaria, Jhonny Alves, o veículo foi comprado em seu nome, com o CPF fornecido ao líder do movimento. A moto, ainda financiada em 48 parcelas, teve 20 prestações pagas com atraso, parte delas, conforme denúncia, com dinheiro da instituição. O banco, inclusive, já teria solicitado busca e apreensão do bem.

“Fui cobrado várias vezes pelo banco. A moto sempre esteve com ele. Me pediram devolução porque os atrasos eram constantes”, contou Jhonny.

Silêncio e troca de nome

Com a repercussão negativa, Anderson não apenas ignorou os pedidos de reunião, como mudou o nome do hub social para ‘Instituto Família Silva’. Nas redes sociais, rebateu as denúncias dizendo se tratar de uma “campanha de difamação” promovida por homens de ‘alma pequena’. “Irados, estão empenhados em prejudicar o meu nome e depreciar aquilo que faço há 24 anos”, afirmou. “Tudo era uma suspeita.”

A Machonaria, como ainda aparece em seu site oficial, é descrita como uma “confraria nacional de homens” que busca o “resgate da masculinidade bíblica”. O movimento prega que “homens cristocêntricos são o remédio para a sociedade disfuncional” e propõe códigos de conduta baseados em valores como hombridade, austeridade e relevância.

No entanto, o discurso espiritual tem se confundido com pautas políticas extremistas e declarações violentas. Em 2023, durante seu podcast, Anderson defendeu que os evangélicos “orassem para matar seus inimigos”, citando diretamente o presidente Lula e ministros do STF.

“Senhor, arrebenta a mandíbula do Lula. Prostra enfermos ministros do STF para que te conheçam no leito da enfermidade”, disse, ao lado do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG).

As falas geraram investigação da Polícia Federal e, pouco depois, Anderson anunciou seu afastamento da igreja que ele mesmo fundou, a Vivo Por Ti. Alegou, na época, ter sido diagnosticado com TDAH e autismo — mas líderes próximos apontaram que o radicalismo político motivou o desligamento.

Bolsonarismo, dinheiro e fé

Desde 2018, Anderson Silva passou a usar sua visibilidade como líder religioso para defender, abertamente, Jair Bolsonaro e a agenda da direita cristã conservadora. Durante anos, incentivou pautas “antifeministas”, se posicionou contra direitos LGBTQIA+ e atacou outras lideranças religiosas que não concordavam com seus posicionamentos.

A crise atual, no entanto, revela um padrão recorrente: confusão entre finanças pessoais e institucionais, aparelhamento político da fé e uso da religião como plataforma de autopromoção.

“Estamos vivendo um luto moral. O prejuízo é da nossa imagem, da credibilidade que levamos anos para construir”, desabafou Radamés Morais. “O que era para ser um projeto de transformação virou palco de vaidades e desvio de propósito.”

Enquanto isso, milhares de seguidores continuam participando de eventos promovidos pela Machonaria — agora rebatizada em parte —, sem acesso claro ao destino das arrecadações, aos gastos com o instituto ou à prestação de contas que os próprios fundadores não conseguiram obter.

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