MACHISMO E RELIGIÃO

Homens, Fé e Virilidade – a aposta final dos Legendários

Fechando a série, um mergulho nas críticas ao movimento: a espiritualidade instagramável, a repressão de sentimentos, os limites desse “resgate da masculinidade perdida”

Encontro dos Legendários
Homens, Fé e Virilidade – a aposta final dos Legendários.Encontro dos LegendáriosCréditos: Reprodução / Redes sociais LegendáriosBR
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Nas redes sociais, a imagem é poderosa: um homem ajoelhado, mãos erguidas ao céu, suor escorrendo pelo rosto, ao fundo um campo de terra batida e uma bandeira laranja cravada no chão. No story seguinte, ele aparece sorridente ao lado da família, como num comercial de margarina, geralmente numa casa luxuosa ou com um carro do ano por perto e dizeres como: “O homem de Deus prospera, lidera e vence. Sempre.”

É com esse tipo de contraste que o movimento Legendários conquistou o coração — e os stories — de dezenas de influenciadores, subcelebridades, artistas convertidos e coaches de imagem. O resultado? Um novo arquétipo de fé masculina: musculoso, empreendedor, bem-vestido, heterossexual, emotivo na medida certa — e absolutamente seguro de seu papel como líder.

Fé e algoritmo

A estética Legendária é feita sob medida para as redes sociais: vídeos curtos com trilha épica, frases de impacto, cortes rápidos e cenas de culto intercaladas com conselhos de autoajuda. A edição é digna de propaganda de suplemento — e cumpre a mesma função: vender um ideal. É o algoritmo da masculinidade cristã, o conteúdo perfeito para viralizar entre homens que querem sentir que têm propósito, força e uma missão maior.

A fusão entre corpo sarado, lifestyle disciplinado e espiritualidade tem um apelo sedutor. Em uma geração que cresceu sob o culto da performance e da autoimagem, o homem Legendário oferece o melhor dos dois mundos: músculos e missão, oração e ambição. Essa estética também é explorada nos encontros presenciais, que parecem híbridos entre acampamentos tipo “No Limite”, cultos carismáticos e treinamentos de liderança.

Da conversão à monetização – a religião de mercado

Para algumas celebridades, entrar no universo Legendário também se tornou estratégia de reposicionamento. A “conversão” após escândalos é carro chefe de quem passa de vilão a dar palestras sobre “masculinidade redimida. É um “rebranding” com cruz. O cara sai de um passado problemático, encontra Jesus, vira “pai de família” e começa a vender mentorias sobre como “restaurar sua identidade”. E tudo isso patrocinado por marcas e igrejas evangélicas.

Por trás da febre Legendária, existe um ecossistema comercial em expansão: roupas com identidade visual própria, trilhas sonoras originais, livros, devocionais, retiros, mentorias, etc. Criou-se um novo nicho de consumo religioso masculino onde a lógica é a do lifestyle: você não apenas segue Jesus, você veste o uniforme, faz o treino, lê o livro certo e compra o café da manhã espiritualizado.

O risco, segundo estudiosos, é que a fé se torne apenas uma embalagem para autoestima performática. No fundo, o que está sendo promovido não é o evangelho, mas um ideal de homem. E quando a masculinidade vira espetáculo, a espiritualidade vira roteiro. O problema é que esse novo padrão de “homem de Deus” é tão rígido quanto inalcançável — e produz frustração entre aqueles que não se encaixam no molde. E quem falha? E quem sente medo? E quem não tem shape?

A mensagem é clara: ser homem é liderar, não sentir medo, proteger, trabalhar duro, não se emocionar demais. É uma masculinidade repressiva mascarada de espiritualidade, que promove o culto ao autocontrole, à virilidade e ao heroísmo cristão, mas não ensinam escuta, afeto ou empatia.

Um projeto de masculinidade fechada

Na prática, o movimento oferece aos meninos uma “identidade pronta” para quem se sente perdido, inseguro ou fragilizado. Mas essa identidade exige adesão total: questionar é sinal de fraqueza. Dúvidas sobre sexualidade, sensibilidade, depressão ou estilo de vida são tratados como “brechas espirituais” ou “contaminação cultural”. A promessa é simples: se você seguir todas as regras, vai ser forte, respeitado, líder e vitorioso. Mas qualquer desvio é punido com exclusão, vergonha e culpa.

O Legendários está, pouco a pouco, moldando uma geração sob os moldes de um ideal masculino autoritário, espiritualizado e performático. O risco é criar homens que não sabem lidar com vulnerabilidade, que não reconhecem o outro e que enxergam qualquer diferença como ameaça. Um lugar onde se forma soldados, não cidadãos. Super heróis, não seres humanos.

Na contramão, pequenos grupos e coletivos cristãos independentes já começam a reagir, oferecendo alternativas baseadas em masculinidades afetivas, espirituais e plurais. Mas enfrentam um gigante de marketing, fé e poder.

Ponto final

Durante cinco reportagens, investigamos o fenômeno Legendários: seu nascimento como movimento de fé masculina, sua escalada como movimento que mistura cristianismo e técnicas de coach, culto da performance viril, suas conexões com política conservadora e sua apropriação de um ideal de masculinidade único e verdadeiro.

No centro de tudo, uma pergunta inquieta permanece: Quantos meninos terão que se dobrar diante de um ideal impossível de masculinidade, para que alguns poucos continuem no topo de uma cruz que virou trono?

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