O filme ‘Ainda Estou Aqui’ foi lançado nos cinemas brasileiros no dia 7 de novembro de 2024, mesmo ano em que se completou 60 anos do golpe militar e no mesmo mês em que a trama golpista do governo de Jair Bolsonaro (PL), programada para acontecer em dezembro de 2022, foi trazida à público pela Polícia Federal (PF) em um relatório.
Algumas semanas antes do longa de Walter Salles ganhar o filme de Melhor Filme Estrangeiro, também foi concluída e apresentada a denúncia pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente e outros 34 militares por tentativa de golpe.
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Como mostrou essa matéria da Fórum, “Ainda Estou Aqui” também foi importante para despolarizar o debate político, pois logo após vencer o Oscar, esvaziou argumentos da base bolsonarista nas redes sociais e trouxe à público a valorização da democracia e do cinema nacional, de forma semelhante ao que ocorreu no Globo de Ouro à Fernanda Torres em janeiro.
Quase que em uma apoteose inacreditável, o Brasil entrou em clima de Copa do Mundo no Carnaval e se transformou em uma das principais torcidas pelo Oscar, resgatando o verdadeiro sentido de “patriota”, roubado pela extrema direita há mais de quatro anos.
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A visibilização não apenas do Brasil no cenário internacional, mas também da denúncia de um passado brutal do país, ainda relegado pelo próprio Estado, é importante para a consolidação de uma memória única sobre o período de violação dos direitos humanos e também sobre o que representou o governo Bolsonaro, segundo João Vicente Goulart.
“Traz um ressurgimento da memória histórica da ditadura que muitos brasileiros ainda refutam em conhecer. Consegue levar ainda mais essa memória ao público muitas vezes posta ao esquecimento. E, sem dúvida alguma, vai trazer mais filmes e outras memórias de outros companheiros e camaradas que tombaram pelo caminho da liberdade e da democracia”, afirma o filho do ex-presidente João Goulart deposto por militares golpistas em 1964.
“Esse Oscar nos traz esse ressurgimento que é importante para a memória do Brasil, para que nunca mais aconteça aquelas violações aos direitos humanos”
Vários projetos e medidas legislativas foram anunciadas após a repercussão das questões expostas pelo longa brasileiro. Além da falta de punição a militares torturadores do período, homenagem a essas mesmas pessoas também passarem a ser questionadas. É comum pelo país ver ruas, avenidas e outros locais nomeados com nomes de presidentes ou autoridades que implementaram ou apoiaram a ditadura.
Com base nisso, o deputado estadual Guilherme Cortez (PSOL-SP) propôs o PL 161/2025, que visa trocar o nome da Rodovia Castello Branco por Eunice Paiva. O líder do PT no Senado, Rogério Carvalho (SE), também propôs incluir o nome do ex-deputado Rubens Paiva no Livro dos Heróis e Heroínas da Pátria, que está no Panteão da Pátria, em Brasília.
Além disso, o primeiro secretário da Câmara, deputado Carlos Veras (PT-PE), também apresentou o PL 742/25, que busca assegurar a exibição em cinemas tradicionais de filmes nacionais premiados em festivais logo após sua estreia. Se sancionada pelo presidente da República, a lei será chamada "Ainda estou aqui".
Para João Goulart, as tentativas de reparação histórica e simbólica são cruciais, mas estamos apenas no começo. “Ainda temos um longo caminho a percorrer e um longo caminho para recordar todas essas atrocidades e talvez, quem sabe, possamos numa nova etapa conseguir punir ou pelo menos punir historicamente aqueles agentes do Estado”, destaca. “Essa resistência do filme é muito importante para o desenvolvimento do Brasil soberano e de um país que ainda tem que pedir desculpas diante da história daquilo que aconteceu.”
João Goulart também lembrou a relação histórica de sua família com esse momento histórico e os momentos de companheirismo vivenciados em 64. “O exílio que vivemos foi marcado por momentos de solidariedade, como o episódio em que o próprio Darcy Ribeiro e Waldir Pires chegaram ao Uruguai a bordo de um pequeno avião pertencente ao deputado Rubens Paiva, que, naquele momento, o emprestou para que eles conseguissem escapar da repressão da ditadura.”
O político completa lembrando que é preciso lembrar para não repetir.
“Tivemos uma orientação do governo de não remoer o passado. Isso é perigoso. O filme traz, nesse momento, esse resgate. Vamos remoer o passado, sim, para poder conhecer a história do Brasil e não repetir os seus erros”