Os desdobramentos dos atos de 8 de janeiro, que resultaram na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes, continuam a expor falhas na condução da operação de segurança pública por parte da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF) e da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF). Decisões estratégicas tomadas naquele dia, que contradizem protocolos estabelecidos, colocam em xeque as justificativas apresentadas pelas autoridades e levantam dúvidas sobre a competência administrativa para prevenir e mitigar crises.
O descumprimento do protocolo de segurança
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Um ponto central dessa discussão foi a autorização dada pelo Coronel Edvã, da PMDF, e pela Subsecretária de Operações Integradas da SSP/DF, Cíntia Queiroz, para a descida dos manifestantes à Esplanada dos Ministérios. Essa decisão, tomada sem consulta prévia aos superiores da PMDF, contraria o Protocolo de Ações Integradas (PAI), aprovado pelo então Secretário de Segurança Anderson Torres. O documento, que deveria nortear as ações de segurança, não incluía a possibilidade de deslocamento dos manifestantes para a área mais sensível do Distrito Federal.
Além disso, essa medida desrespeitou o “Plano Gerente de Crises” da PMDF, um normativo interno que estabelece que situações de crise nunca devem ser movimentadas para outros locais, a fim de evitar descontrole e maior impacto da crise. Apesar dessas diretrizes claras, a descida foi autorizada por volta das 11h do dia 8 de janeiro, resultando na ocupação desordenada da Esplanada e na escalada da violência.
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Justificativas contraditórias das autoridades
Em audiência de instrução, tanto Cíntia Queiroz quanto o Coronel Edvã alegaram que apenas uma ordem judicial poderia impedir a manifestação. Basearam-se no argumento de que a Constituição Federal de 1988 (CF/88) garante o direito de manifestação, o que, em tese, os impedia de bloquear o deslocamento dos manifestantes.
Entretanto, tal justificativa não se sustenta diante das informações disponíveis. Relatórios prévios já indicavam que os atos não seriam pacíficos, caracterizando a manifestação como incompatível com o direito previsto pela CF/88, que condiciona o exercício da manifestação à ausência de violência. Especialistas em segurança pública argumentam que, diante dos informes de inteligência, era obrigação das autoridades tomarem medidas preventivas, incluindo a restrição da movimentação dos manifestantes.
A portaria 56 e a tentativa de reparação
Após os eventos de 8 de janeiro, a SSP/DF publicou a Portaria 56, que confere ao Secretário de Segurança Pública a prerrogativa de restringir manifestações em casos de grave ameaça à ordem pública ou à estabilidade institucional. O texto normativo estabelece que essas restrições podem ser fundamentadas e aplicadas de forma imediata, sem necessidade de consulta ao Poder Judiciário.
A publicação da portaria levanta um ponto de contradição evidente. Se, segundo Cíntia e Edvã, apenas uma ordem judicial poderia restringir a manifestação em 8 de janeiro, por que, posteriormente, a SSP/DF formalizou um instrumento que regulamenta tais restrições administrativas? Isso reforça a percepção de que a portaria foi uma medida reativa, destinada a justificar decisões equivocadas e falhas operacionais, em vez de propor soluções concretas para evitar novos episódios de descontrole.
Falhas de coordenação e gestão da crise
A autorização para a descida dos manifestantes não apenas contraria protocolos vigentes, mas também expõe um grave descompasso entre as ações tomadas no campo e as diretrizes estratégicas estabelecidas nos planos de segurança. Ao violar tanto o PAI quanto o “Plano Gerente de Crises”, as autoridades responsáveis transferiram a crise para um local estratégico e sensível, agravando as condições para a contenção dos atos violentos.
Esse tipo de falha indica problemas estruturais na coordenação entre os órgãos de segurança pública e aponta para uma falta de preparo técnico na gestão de crises de alta complexidade. Além disso, demonstra uma incapacidade de interpretar e agir com base em informações de inteligência que já previam a escalada da violência.
A responsabilidade institucional
A emissão da Portaria 56, apesar de ser apresentada como uma medida de fortalecimento do controle de manifestações, não altera o fato de que a SSP/DF já possuía competências para restringir atos não pacíficos. Isso coloca a normativa como um movimento político-administrativo para responder às críticas, mas que pouco contribui para corrigir as falhas evidenciadas em 8 de janeiro.
O episódio também chama atenção para a responsabilização das autoridades envolvidas. A decisão unilateral do Coronel Edvã e de Cíntia Queiroz expôs a fragilidade dos mecanismos de comando e controle, resultando em uma crise que poderia ter sido mitigada. A SSP/DF, ao invés de assumir sua parcela de responsabilidade, parece se esforçar para construir uma narrativa que minimize os erros cometidos.