O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que 8 em cada 10 brasileiros vivem em centros urbanos, sendo que 16 milhões residem em favelas e periferias, locais onde se concentram os chamados “desertos alimentares” e “pântanos alimentares”. Levantamentos em diversas cidades brasileiras indicam que os "pântanos alimentares”, locais onde alimentos não saudáveis e com baixo valor nutricional são amplamente acessíveis, e os "desertos alimentares", que não têm opções saudáveis, são restritos a zonas de maior vulnerabilidade social.
Obtido pela Fórum, o estudo realizado pelo governo Lula em parceria com a USP, e publicado na Plataforma Alimenta Cidades, traz informações sobre a distribuição de estabelecimentos de alimentos em mais de 90 cidades brasileiras com 300 mil habitantes. A pesquisa mostra, em números absolutos, que a região Sudeste possui a maior parte de população em desertos alimentares, cerca de 15 milhões, o que representa 58% da população da região em desertos alimentares.
Vitória (ES) foi o município com o maior índice de pessoas vivendo em desertos alimentares em áreas de favelas e comunidades urbanas, atingindo 79,2%. Em termos relativos, a região Norte também teve a maior proporção de população consumindo alimentos não saudáveis, cerca de 45%.
A região Sudeste também concentra o maior número de pessoas em pântanos alimentares, com aproximadamente 8,8 milhões, o que corresponde a 59,6% do total. Dos 15 milhões de brasileiros vivendo em áreas de pântanos alimentares, aproximadamente 104 mil estão localizados em favelas e comunidades urbanas. (Leia um resumo do estudo ao final da matéria).
Já as regiões Norte e Nordeste acumulam a maior parte dos municípios com baixa quantidade de estabelecimentos de alimentos saudáveis. Juntas, somam cerca de 86% desses municípios, sendo 69,6% no Norte e 17% no Nordeste. Os estados com maior número de municípios com menor densidade de estabelecimentos comerciais de alimentos saudáveis são Maranhão, Bahia, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Ceará e Pará.
‘Insegurança alimentar e má nutrição’
Um trecho do relatório destaca que “ambientes configurados como desertos ou pântanos alimentares contribuem para o aumento da insegurança alimentar e de todas as formas de má nutrição”. O documento apresenta propostas para que a população tenha alternativas e não dependa tanto de alimentos ultraprocessados para a alimentação básica.
“Sugerimos priorizar para intervenção estatal aquelas que estão em territórios com maior concentração de pessoas em situação de pobreza. Entre as políticas públicas que podem ser priorizadas estão: agricultura urbana e periurbana, equipamentos de segurança alimentar e nutricional, feiras, rede de abastecimento popular e a restrição de oferta de ultraprocessados em espaços públicos”, afirmam os pesquisadores.
Outro estudo, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), mostrou que em Recife, mais de 77% dos estabelecimentos oferecem alimentos ultraprocessados e apenas 7,4% vendem alimentos in natura. A situação se repete em outras cidades, como Patos, onde mais de 25% dos bairros são considerados desertos alimentares, e Porto Alegre, com mais de 61% dos estabelecimentos comercializando ultraprocessados e quase metade dos setores classificados como desertos alimentares.
A Fiocruz, que também realizou um mapeamento na região da RIDE-DF há alguns anos, abrangendo mais de 30 cidades de Goiás, Minas Gerais e o Distrito Federal, constatou que quanto mais longe do Plano Piloto de Brasília, mais difícil é encontrar alternativas alimentares saudáveis.
As pesquisas mostram que a distribuição dos estabelecimentos nas cidades não é homogênea: em áreas de maior renda e menor vulnerabilidade social, há uma ampla variedade de tipos de comércio, enquanto nas regiões de baixa renda, a oferta é limitada.
Hortifrutis e feiras livres, especializados em alimentos in natura, estão concentrados nas áreas centrais. Já os mercados tradicionais são dominados por estabelecimentos que vendem produtos ultraprocessados, lanchonetes, lojas de conveniência e supermercados com pouca oferta de alimentos frescos. Até as farmácias vendem produtos ultraprocessados.
Ultraprocessados e o gasto bilionário do SUS
A má alimentação, que se tornou um hábito em decorrência do sufocamento de alimentos naturais pelo mercado, custa aos cofres públicos mais de R$ 29 bilhões por ano, segundo um estudo da Fiocruz feito em parceria com as ONGs ACT Promoção da Saúde e Vital Strategies. Divulgado em novembro do ano passado, como mostrou uma reportagem da Fórum, o valor inclui gastos com tratamentos, perda de vidas e redução da qualidade de vida da população.
Os dados de atendimentos pelo Sistema Único de Saúde serviram de base para levantamento. O custo total relacionado ao consumo de alimentos ultraprocessados chega a R$ 10,4 bilhões, considerando não apenas os gastos diretos com tratamentos de saúde no SUS, mas também os custos indiretos, como a perda de produtividade, e as mortes prematuras decorrentes de doenças associadas a esses alimentos. No caso das bebidas alcoólicas, o impacto financeiro sobre o sistema de saúde é ainda maior, alcançando R$ 18,8 bilhões.
Veja os dados:
- R$ 9,2 bilhões milhões/ano por mortes prematuras, custos preveníveis que representam as perdas econômicas pela saída de pessoas em idade produtiva do mercado de trabalho por todas as causas de morte;
- R$ 933,5 milhões/ano pelos custos com o tratamento no SUS (hospitalares, ambulatoriais e com o programa Farmácia Popular) da diabetes, hipertensão e obesidade;
- R$ 263,2 milhões/ano pelos custos previdenciários (aposentadoria precoce e licenças médicas) e custos por absenteísmo (internações e licenças médicas).
“Qual é o custo social disso, do ponto de vista de saúde mental, de desesperança, quando você está falando de violência e insegurança pública decorrente dessa violência? Dá até, em longo prazo, para a gente começar a pensar em qualificar essas estimativas. Mas é exatamente isso, tem setores que causam danos para a sociedade e eles devem arcar com esses custos de forma adequada”, declarou Pedro de Paula, diretor da Vital Strategies no Brasil.
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Ligados a mais de 32 doenças
Embora práticos e atraentes em meio à correria do dia a dia, os alimentos ultraprocessados, como refeições prontas, salgadinhos, biscoitos e refrigerantes, representam um risco crescente para a saúde. Uma nova revisão, que reúne 45 estudos, publicada na revista científica The BMJ, revelou uma associação preocupante entre o consumo desses produtos e o desenvolvimento de 32 doenças.
A análise, que reuniu dados de quase 10 milhões de pessoas, apresenta conclusões mais contundentes. Entre elas:
- Aumento de 50% no risco de morte por doenças cardiovasculares
- Aumento de 53% no risco de transtornos mentais comuns
- Aumento de 48% no risco de ansiedade prevalente
- Aumento de 12% no risco de diabetes tipo 2 a cada 10% de aumento dos ultraprocessados na dieta.
Evidências sugestivas de:
- Aumento de 20% no risco de morte por qualquer causa.
- Aumento de 55% no risco de obesidade.
- Aumento de 41% no risco de problemas de sono.
- Aumento de 40% no risco de chiado no peito.
- Aumento de 20% no risco de depressão.
Tipos de Câncer:
- Mama
- Geral
- Tumores do sistema nervoso central
- Leucemia linfocítica crônica
- Colorretal
- Pancreático
- Próstata
Outras doenças:
- Distúrbios no sono
- Ansiedade
- Transtornos mentais comuns
- Depressão
- Asma
- Chiado no peito
Doenças cardiovasculares:
- Hipertensão
- Hipertriacilgliceridemia
- Colesterol HDL baixo
Doenças gastrointestinais:
- Doença de Crohn
- Colite ulcerativa
Obesidade e diabetes:
- Obesidade abdominal
- Hiperglicemia
- Síndrome metabólica
- Doença hepática gordurosa não alcoólica
- Obesidade
- Excesso de peso
- Sobrepeso
- Diabetes tipo 2
Quais tipos de alimentos?
- Refrigerantes;
- Bebidas lácteas;
- Néctar de frutas;
- Sucos em pó;
- Misturas de bolos em pó;
- Misturas de sopa em pó;
- Salgadinhos de pacote;
- Barras de “cereal”;
- Biscoitos recheados;
- Nuggets de frango ou peixe;
- Salsichas;
- Macarrão instantâneo;
- Pizzas, tortas e pratos pré-preparados;
- Sorvetes.
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Confira abaixo a íntegra do estudo: